Aventura de Motocicleta em 1960

SEGUINDO PARA O NORDESTE

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Teófilo Otoni-MG

No dia seguinte acordamos cedo, tomamos nosso café da manhã, completamos o tanque, esticamos a corrente da moto e às 07:00h partimos otimistas e bem dispostos com o objetivo de atravessar a fronteira de Minas Gerais com a Bahia para chegarmos à Nova Conquista, já em território baiano.

A cada dia notava que a estrada estava ficando mais severa para nós. E isso por que: Quando o tempo está seco, sua insuportável e perigosa poeira se espalha, esvoaçando por toda a estrada, e no entardecer a mosquitada aproveita para ficar dando-nos alfinetadas. Quando acontece de haver chuva constante como ocorre agora, ela se torna uma catástrofe porque, além dos buracos e das valas que cria e não as vemos. Existem trechos nos quais a lama tem mais de um palmo na sua profundidade, atolando os veículos, sem falar nas quedas de barreiras e outras coisas mais.

A região aqui é muito montanhosa, com aclives bastante acentuados. E em conseqüência das chuvas e o esforço das trações dos veículos para subirem estes aclives ou frearem nos declives íngremes, surgem profundas valas em toda extensão da estrada. Sem se falar dos perigosos sulcos enviesados porque, se uma roda da moto, principalmente a dianteira entrar e derrapar nesses sulcos, é tombo na certa.

No subir e descer montanhas e observando com cuidado a estrada, eis que ao chegar numa elevação superior a muitas outras que estavam adiante, tive a felicidade em avistar um horizonte espetacular. Que maravilha! É indescritível! Só morros e verdes matas, mais nada, a não ser a chuva que tornava mais verde aquela natureza pura. Os morros apresentavam-se, imponentes, austeros e fortes; As matas, ostentando um verde maravilhoso com belas e frondosas árvores. E quanto oxigênio puro só para nós dois! Isso é mais delicioso do que qualquer perfume raro. É vida, muita vida! É a visão da mãe natureza desnudada na sua maior simplicidade.

Mas se por um lado esta visão se apresentava espetacular com forte sensação de segurança e bem estar, por outro essa mesma vista tornava-se assustadora. E vou dizer por que: Quando do alto desse morro admirei esse deslumbrante espetáculo que descrevi, vi também uma estrada infinitamente reta (muitos retões) subindo e descendo morros até desaparecer na linha do horizonte onde a vista já não mais a alcançava. Nesse momento, com sentimento de leve insegurança disse para mim mesmo: Quanto mais ainda andaremos debaixo do sol escaldante; da poeira incomodativa; da chuva que torna a lama perigosa; e do frio por demais intenso no alto desses morros?

Nesse momento senti a incrível semelhança desse fato com o que ocorre com nossas vidas.

Essa estrada descortinada à minha frente, momentos com subidas e outros com descidas, ocasiões com muita poeira e outras com lamaçais é o espelho da nossa existência nesse mundo, pois nele vejo completa semelhança com nossas vidas, tendo em vista que existe momentos onde tudo nos transcorre com facilidade e em outros só encontramos dificuldade; ocasiões de sermos bem sucedidos comercial e socialmente e em outros momentos acontecer de cairmos devido a alguns insucessos; ora adoecemos, ora estamos completamente saudáveis; e por fim a eterna expectativa de não sabermos até onde e como nós chegaremos nessa estrada de agora, e na da nossa existência.

Desligando-me desse pensamento e voltando à realidade, percebi a importância do arrojo e do destemor para encarar desafios, vendo outrossim que para vencê-los é necessário calma, inteligência e concentração.

Seguindo para Nova Conquista-BA

Por volta do meio-dia passamos pela cidade de Águas Vermelhas e somente às 19:00h chegamos à Divisa Alegre onde fizemos uma parada e aproveitei para abastecer a moto no último Posto Fiscal de Minas Gerais.

Conforme anotação feita no meu Diário de Viagem, além deste Posto em Divisa Alegre, já havíamos passado por Águas Vermelhas, Teófilo Otoni, Governador Valadares, Caratinga, Muriaé e Itaipava, retroativamente.

Moradores que estavam naquele momento batendo papo próximo ao Posto Rodoviário, escutando casualmente qual seria nosso destino, alertaram-nos que o trecho adiante por onde iríamos passar era muito perigoso por ser um lugar alto, completamente ermo e que não havia movimento nesse trecho da estrada à noite. Vários assaltos, até com mortes já aconteceram durante a noite, por isto ninguém se atrevia a passar por lá à noite..

Escutamos atenciosamente, agradecemos a informação e saímos.

Como existe o ditado “seguro morreu de velho”, tirei finalmente a pistola calibre 22 da maleta e entreguei-a ao Fernando, recomendando: Vá com ela engatilhada na mão, pronta para disparar, mas sempre apontada para baixo. Qualquer perigo que surja, aí, sim, levante mire e atire! Atire mesmo! E fomos embora.

Tudo pronto e resolvido, partimos imediatamente tendo em vista que nossa intenção era atravessar a fronteira com a Bahia e chegar logo à Nova Conquista, que já estava bem próxima. Bastava passar esse pedaço de morro e lá chegaríamos.

Nesse percurso também enfrentamos muitos mosquitos, mas desta vez protegemos o rosto passando o cachecol sobre o nariz como se fosse máscara.

Viajamos à noite sem luz para iluminar nosso caminho porque, estando o dínamo ainda enguiçado, a bateria não tinha mais carga. E por não ter encontrado quem pudesse consertar resolvi deixá-lo assim mesmo.

O céu estava cravejado de estrelas. O luar... que maravilha! O chão claro, de tão iluminado parecia um espelho. A claridade da noite estava tão intensa, que até os vaga-lumes devem ter ficado envergonhados em acender seus pisca-piscas pelo fato das suas luzinhas ficarem esmaecidas sob aquele forte luar. E com essa maravilha à nossa frente, pra que farol? Farol pra que? Perder essa natureza noturna no interior do Brasil, isenta de qualquer iluminação artificial, trânsito, poluição? Isso é místico, é raro... É sensacional!

O local por onde circulávamos naquele momento era muito alto e o frio era tanto, que todos tremíamos convulsivamente: Eu, o Fernando e até a moto, que por sua vez estremecia devido ao seu motor, que dependendo do vento, vez por outra exalava um bendito calorzinho.

O céu, feericamente iluminado, parecia estar pouco acima das nossas cabeças dando-nos a impressão de que, se levantássemos os braços tocaríamos as estrelas.

E quanto ao perigo na estrada pela falta de farol, esclareço: Numa situação em que a noite não tivesse luar, bastaria parar de trafegar antes que escurecesse totalmente. Fica “claro”, portanto, que não ter farol não era um problema sério. Talvez fosse atualmente em razão do trânsito maior e notadamente bem violento.

Então, tranqüilos e sem qualquer problema na estrada pela falta de farol ou com pseudos bandidos, chegamos em Nova Conquista às 20:00h do dia 18 de fevereiro e tratei logo de apanhar a arma que estava com o Fernando, antes que ele fizesse alguma bobagem com ela e coloquei-a de volta na maleta.

Ah... sim, tendo falado na arma, lembrei-me que chegará um momento onde falarei novamente sobre ela e garanto que a notícia será bem inusitada.

João Cruz
j.v.cruz@oi.com.br
 
 
 
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Comentários (5)

2/2/2017 19:54:27
OU5VXLXA
A ra?!t!!?!?? Be sure to plug all holes around your home. We lived in DC and learned the hard way that they can squeeze themeselves into a hole the size of a quarter!!! YIKES!
 
28/6/2016 15:24:44
5QSTM0QVYPKK
Thanks for intdurocing a little rationality into this debate.
 
18/11/2010 15:02:35
ADRIANO
Excelente relato.

Fico aqui a imaginar o cenário desta estrada nos idos dos anos 60-70. Segundo meu pai, hoje com 70 anos, era uma época boa para se viver estes anos de ouro.

Parabéns pela história, pela aventura e pelo espírito desbravador!
 
20/10/2010 21:41:59
ARY FREITAS
Boa noite amigo, o Sr., simplismente foi o precursor de todos nós que curtimos viagens de moto. Pude sentir a emoção que sentiu e pude ficar feliz por você "irmão"(assim nos chamamos).
Parabéns e espero eu poder contar minhas "trupes" pros meus netos que em breve virão.
Muito bom.
 
20/10/2010 19:13:52
JORGE CANCELLA
Nesse momento senti a incrível semelhança desse fato com o que ocorre com nossas vidas.
Caro amigo,
o texto qe segue à frase acima é "exatamente" o que eu penso com respeito à algumas "várias" passagens pelos "difíceis caminhos da vida".
Você teve a felicidade e as palavras certas para descrever tal sensação ou sentimento.
Parabéns mais uma vez!
Grande abraço.


 

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