SALVADOR-BA
Sendo Salvador uma cidade turística, hotéis já são difíceis de encontrar. Com a proximidade do carnaval então nem se fala, fica impossível. Mas por sorte nossa, um lambretista vendo que éramos do Rio, parou e veio ver o que precisávamos (antigamente, parar para auxiliar um companheiro era uma prática comum). Perguntando-lhe onde arranjaríamos um hotel, respondeu que ficássemos ali porque iria procurar para nós.
Não demorou muito e pediu-nos para acompanhá-lo até um hotelzinho razoável onde havia conseguido um quarto, porém com três camas, estando uma delas ocupada por alguém que na ocasião não estava lá. Mas como para nós isso não importava, aceitamos e agradecemos a boa vontade que teve para conosco. Aconteceu entretanto que isso deu origem a um fato bem curioso e hilário o qual contarei bem mais adiante, mostrando que o ditado ”mentira tem pernas curtas” é verdadeiro.
Agora, devidamente instalados, resolvemos visitar o Farol da Barra e as praias das proximidades. Na volta jantamos no Mercado Sete Portas, que fica se não me engano próximo à Baixa do Sapateiro. Depois esticamos até à Praça Municipal, situada entre o Largo da Sé e o Elevador Lacerda e notamos haver muitas casas antigas no centro e em outros locais próximos, assim como muitas ruas com acentuadas subidas e conseqüentemente, descidas. Vimos também o Teatro Castro Alves, muito bonito, edificado numa praça, dotado de arquitetura moderna e de muito bom gosto.
Satisfeitos com o que havíamos apreciado por hoje, voltamos para o hotel a fim de descansarmos.
Ao chegarmos no nosso quarto, já bem tarde da noite, notamos uma pessoa deitada na tal terceira cama e que por sinal roncava um pouco. Apesar do pequeno barulho que fazíamos para trocar nossas roupas, a cada movimento, parecia que ele acordava porque parava de roncar. E isso aconteceu por várias vezes. Por fim deitamos e dormimos direto até o dia seguinte.
Pela manhã, acordamos cedo e percebemos que o terceiro ocupante já estava vestido e pronto para sair. Notamos também que ele parecia tenso, preocupado, porém não ligamos para isso. Educadamente todos nos cumprimentamos e trocamos algumas palavras sobre as razões de estarmos lá. Nós, falamos sobre o “raid” que estávamos fazendo pelo nordeste, e ele, com sotaque espanhol, veja bem... falou que estava voltando para a Argentina, sua terra. Nós estávamos em Salvador, subindo o nordeste e ele descendo do nordeste para o Sul, para a sua “mui” querida terra.
Após essa rápida troca de palavras despediu-se de nós e partiu. .
Anfilófio era o nome do companheiro que muito nos ajudou no dia anterior e que hoje voltaria para nos levar a uma oficina.
Cumprindo o prometido no dia anterior apareceu pela manhã e levou-nos a uma oficina onde iriam consertar o carburador e o carvão do magneto, por parecer que este estava prejudicando o contato da partida. Ficou algum tempo na oficina conversando conosco e dentre outras coisas declaradas, falou ser integrante da Diretoria do Moto Clube da Bahia, entidade que na época congregava muitos adeptos desse esporte ali em Salvador.
Tendo de se ausentar para cumprir algum compromisso, ficou combinado que à noite voltaria ao hotel para encontrar-nos. Após tudo acertado, despedimo-nos.
Depois de concluído o serviço, disseram que estaria tudo por conta do Moto Clube. Então, mediante tal gentileza, agradecemos pelo que fizeram.
Como ainda era cedo, resolvemos dar um passeio até a praia de Itapuã. Isso porque várias pessoas e até o pessoal da oficina diziam que era um passeio imperdível. Sim, essas eram as afirmações deles. Afirmavam ser um local muito bonito e até paradisíaco para se conhecer e que nós não poderíamos perder. Assim sendo tínhamos de ir até lá.
No caminho passamos pela praia do Farol, que certamente assim é chamada devido ao imponente farol existente no extremo da praia, cujo propósito é o de orientar navegantes. De construção forte, antiga e muito bonita, dá um grande destaque na paisagem, tornando o local além de lindo, mais pitoresco e inusitado.
Passamos pela região do Jardim de Alá e quando estávamos próximos a Itapuã, já dava para ver as areias claras e os muitos coqueiros projetando acolhedoras sombras aos banhistas deitados em redes, e em outros que se encontravam acomodados na areia. Através dos coqueiros e mais ao fundo, via-se um imenso e maravilhoso mar azul esverdeado, debaixo de um céu limpo e muito claro.
Após nos deliciarmos com aquela magnífica vista e estando a famosa lagoa do Abaeté próxima dali, fomos vê-la também, porque os comentários se estendiam até ela, afirmando ser misteriosamente bela.
Sem dúvida, trata-se realmente de algo muito mágico e carismático, pois além de ser uma lagoa linda, é misteriosa, estranha e enigmática. Quem dela se aproxima sente fortes vibrações e envolventes forças invisíveis. É fantástica! Mística! Por isso impossível descrevê-la fielmente.
A areia no seu entorno, de tão branca, chega a agredir a vista devido aos reflexos do sol. Tão clara nas margens, vai escurecendo da extremidade para o seu centro, causando-nos estranheza este incrível e antagônico fenômeno. E de tão encantadora e perigosa que é, atrai-nos para que nela entremos
Vi lavadeiras na margem lavando roupas e também algumas crianças brincando nas areias claras como neve, mas todos à beira da lagoa sem se atreverem nela entrar, possivelmente em respeito à sua lenda que avisa: Pessoas que nela entram nunca mais retornam.
E por fim verifiquei haver pequenos arvoredos e folhagens rasteiras em determinados locais à sua volta, o que dava um toque bucólico ao lugar.
Saindo daquele maravilhoso transe e voltando à realidade, reparamos já estar escurecendo e lembramos do encontro que teríamos no Hotel com o nosso simpático cicerone do Moto Clube.
Já prontos no hotel e esperando pelo rapaz, eis que ele aparece com sua lambreta, acompanhado de vários outros lambretistas e também motociclistas, todos sócios do Clube.
Veio até nós e apresentou-nos aos amigos, que alegremente nos cumprimentaram. Terminada as apresentações pediu para acompanharmos a caravana formada por eles, pois havia uma surpresa preparada para nós. Sem mais conversa, eu e o Fernando embarcamos na moto e os acompanhamos.
No caminho iam surgindo outros motociclistas do Clube, que entrando no comboio iam engrossando a caravana. Após algum percurso chegamos à sede do Moto Clube de Salvador, identificado por um letreiro na frente da casa.
Entramos e vimos várias pessoas reunidas em torno de uma grande mesa. Ao sermos apresentados e lhes comunicarem da viagem que estávamos fazendo desde o Rio, pararam a reunião e nos cumprimentaram efusivamente.
O presidente do clube, satisfeito com aquele momento, mandou que providenciassem bebidas e salgadinhos para todos e em seguida fizeram uma celebração à nossa visita.
Foi uma grande homenagem que nos prestaram, tendo inclusive o Anfilófio discursado em nome de todos. No final, eu e o Fernando agradecemos.
Encerrada a reunião saímos todos em grupo e nos dirigimos para a região das praias em direção à Itapuã, mesmo local onde eu e o Fernando estivemos naquele mesmo dia à tarde.
Como nem tudo é perfeito, o pneu traseiro, o tal que tinha um pedaço arrancado e nele havíamos colocado um “manchão” e câmara nova, furou novamente.
O pessoal do Moto Clube lamentando o ocorrido, sugeriu que deixássemos a moto num Posto de Gasolina (por acaso havia um em frente a nós) para depois tratarmos do problema, porque agora era o momento da tal surpresa que reservaram para nós.
Assim sendo, eu e o Fernando passamos cada qual para a garupa da moto de dois companheiros e seguimos até a Churrascaria Alex, na Praia de Itapuã, local da surpresa que haviam preparado para nós.
A Churrascaria ficava num lugar muito especial. Bem próxima da praia e cercada por coqueiros.
A noite estava quente, mas era arrefecida por uma leve brisa vinda do mar e iluminada por um bonito luar.
Escolheram para ficarmos na areia, em mesas do lado de fora do Restaurante onde, sob um céu estreladíssimo, poderíamos apreciar o mar e receber aquela suave e maravilhosa brisa marinha
Após nos deleitarmos com um churrasco bem preparado (iniciou às 23:00H e terminou às 02:00H) e de termos “jogado muita conversa fora” (gíria carinhosa), levaram-nos diretamente para o hotel porque seguiríamos viagem no dia seguinte.
Ficou combinado que nos apanhariam pela manhã, a fim de nos levarem até ao posto de gasolina onde deixáramos a moto com o pneu furado.
Era sábado e fomos acordados de manhã cedo pelo Anfilófio e mais alguns motociclistas que vieram entregar-nos a moto já consertada, limpa e abastecida. E tinha ainda mais surpresa porque o hotel também já estava pago, tudo por conta do Moto Clube da Bahia, opotunidade em que fiquei sabendo o nome do Tesoureiro: James.
Maravilha! Era muita gentileza da parte deles. Só tínhamos a agradecer, não somente por isso, mas também pelo carinho e as homenagens que nos prestaram.
Grande abraço,
João Cruz