Aventura de Motocicleta em 1960

1º DIA DE CARNAVAL - RECIFE

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Só voltamos a comer novamente quando chegamos à casa da senhora mãe do Fernando, Dona Júlia, que morava no bairro de Areias, distante uns 6 quilômetros do centro da cidade.

Não tendo o Fernando comunicado nossa ida até lá, ao nos verem chegar sujos de barro, queimados de frio, de sol e numa motocicleta barulhenta, cheia de objetos em cima e dos lados, a surpresa foi total.

Na casa, além da mãe dele estava uma de suas irmãs, viúva, chamada Zezé, que residia no Rio mas estava por lá a passeio. Havia também uma empregada de nome Maria, que com o decorrer do tempo descobrimos ser muito eficiente.

Refeitas da surpresa pela nossa chegada, fomos efusivamente recebidos e convidados para ficarmos na casa o tempo que quiséssemos. Era tudo o que queríamos e precisávamos. “Mamão com açúcar” na expressão popular.

Numa oportunidade que surgiu quando ficaram sozinhos, o Fernando disse à sua irmã que estávamos sem dinheiro e aproveitou para pedir um empréstimo com a garantia que pagaríamos assim que retirássemos o dinheiro que chegaria para nós pelo Banco. Ela concordou e emprestou-nos uma razoável importância.

Agora, o passo importante será pedir ao meu sócio, Borges, para enviar dinheiro através do Banco. Mas onde achar um telefone para ligar? Elas então informaram que o melhor seria ir ao centro da cidade e usar as cabines da Companhia Telefônica, que embora sendo carnaval estariam funcionando.

Entardecendo e um pouco cansados da viagem, resolvemos ficar por ali porque o Fernando queria aproveitar para visitar antigos vizinhos e amigos do tempo em que lá morou.

No dia seguinte 29/02/60 (ano bissexto) acordamos bem cedo, tomamos o café da manhã e fomos para a cidade a pé a fim de ver o carnaval porque, segundo informação do Fernando, no centro era bem animado. Então era hora de ir até lá para conferir.

Realmente! Havia bastante gente brincando, cantando, sambando. Muitos blocos carnavalescos e também blocos de frevo com muitas frevistas apresentando-se munidas das indefectíveis sombrinhas coloridas. Vimos jeeps e carros antigos sem capota, todos enfeitados e cheios de foliões dentro, atrás, dos lados e na frente deles, todos em fila formando um enorme cortejo atrás de um carro alegórico abre-alas. Muita gente bonita ricamente fantasiada, animada e cantando alegremente em grupos; confetes de cores diversas eram atirados para o ar ou em cima de pessoas; serpentinas eram arremessadas, formando extensas tiras de papéis coloridos que enfeitavam os locais; e cheirosíssimos lança-perfumes lançados nas pessoas.

No trajeto vimos o cine Art Palácio, o cinema São Luiz e o Trianon, que ficavam bem no centro da cidade, visitando mais adiante o Mercado São José.

Na Av. Guararapes tentei falar com o sócio via telefone “Radional” mas não foi possível porque ninguém atendia em sua casa no Rio, ficando então marcado pela telefonista para voltarmos às 20:00h. E como estava na hora do almoço, voltamos para casa a fim de comermos.

À noite e na hora marcada já estávamos na Companhia Telefônica, exatamente conforme combinado. Aguardamos um pouco e em determinado momento fui chamado para ir até uma das cabines vazias. Atendi a ligação e felizmente o Borges estava em casa, conseguindo finalmente falar com ele. Conversamos sobre a situação da Livrolândia, sobre a viagem e por fim pedi que enviasse dinheiro, pois o que trouxera acabara todo. Respondeu que mandaria assim que os Bancos abrissem após o feriado de carnaval e aí encerramos a conversa, inclusive por que a ligação tinha muito chiado.

Vagarosamente circulamos mais um pouco pela cidade e ficamos olhando as ruas enfeitadas, vendo fantasias, moças bonitas e toda aquela alegria contagiante, quando de repente para minha completa perplexidade por achar que poderia ser um fantasma vagando naquela confusão do carnaval, eis que, andando em sentido contrário a nós, quem eu vejo: Nem mais nem menos, o tal argentino com quem falei e vi no hotel em Salvador, que ao despedir-se disse estar indo para o sul, para a “mui” querida Argentina.

Andando que vinha em sentido contrário, passou “batido” por nós dois sem nos olhar diretamente, mas notamos que ele também nos viu e reconheceu. Assim que passou, eu e o Fernando olhando um para o outro como se tivéssemos visto um fantasma, caímos na gargalhada. Que “baita” coincidência! Num lugar tão distante e no meio de milhares de pessoas fazendo tremenda algazarra, fomos encontrar o “mui” amigo andando calmamente pelas ruas de Recife. Aí vimos que “mentira tem perna curta”, realmente.

Após termos visto o “fantasma” e apreciado bastante o carnaval naquele dia, voltamos satisfeitos para casa.

Acreditando ser necessário apresentar algumas explicações sobre o dinheiro e sistema bancário da época, coloco-as:

1) O dinheiro ficou escasso e até acabou por não ter calculado corretamente o tempo de percurso, os obstáculos, incidentes e as intempéries. Afinal, ninguém é perfeito, ainda mais por se tratar de uma aventura em terreno totalmente desconhecido por mim;

2) Mesmo com ordem de pagamento por telefone através do Banco Nacional (existia na época), a importância enviada demorou muitos dias para chegar na agência do centro de Recife. Infelizmente, na época era normal demorar. Mas nesse caso o atraso fora demais, muito embora houvesse os feriados provenientes do carnaval.

Um comentário: Se você ainda é jovem, deve estar estranhando e pensando: Mas essa demora por quê? Afinal, não foi ordem de pagamento por telefone? Isso deveria ser coisa para o mesmo dia logo após terminado o carnaval!

Explico: É que na época, conseguir sinal no aparelho para poder ligar era extremamente difícil, quase comparável a um prêmio de loteria, o que fazia muita das vezes a pessoa desistir de ligar. E por falar em linha telefônica, o número do primeiro telefone da casa onde eu morava nos anos 50 era 49-0251, da Cia. Telefônica Brasileira (CTB).

Após ter feito as devidas explicações, continuo:
Saindo no dia seguinte para novo passeio a pé, procuramos e achamos próximo ao Centro, uma oficina de retífica de motores na Rua Imperial, 233 Tel: 7149, Oficina Feld do Sr. Leon Helmer (Polonês). Ele examinou a moto e disse terem sido danificadas duas válvulas do cabeçote esquerdo. Não havendo válvulas originais para substituição, disse-nos que comprássemos duas válvulas de carro da marca “Studbaker” (existia na época) Ref. 194.216-IN, por serem adaptáveis em substituição às originais danificadas. Indicou-nos a loja Heimer Motor Peças, ao lado, no número 321. As válvulas custaram Cr$400,00, e a mão-de-obra para usinagem e colocação de volta no motor custou Cr$150,00 (tenho as respectivas Notas). Depois do motor aberto vimos que uma das válvulas, a de descarga, teve quase metade da parte superior derretida.

Tudo acertado, ficamos de apanhar a moto pronta no dia seguinte.

À noite, para variar, pegamos nossos patins, colocamos numa bolsa e fomos a pé procurar uma rua tranqüila com bom asfalto para patinarmos (fora do Centro da cidade quase todas as ruas eram de paralelepípedos). E no Centro não era possível patinar, devido ao grande número de carros e pessoas circulando e brincando.

Finalmente escolhemos a R. Conde de Boa Vista (não anotei o bairro) e então calçamos os patins.

Assim que iniciamos a patinação formou-se logo uma assistência (o que era normal em razão do inusitado) nos dois lados da rua, assistindo-nos e dizendo nunca terem visto coisa parecida. A certa altura e depois de algumas peripécias, fizemos uma pausa para descansar. Nisso, uma família que nos assistia da varanda do andar de um prédio nos chamou para irmos até lá.

Quando chegamos ao apartamento fomos recebidos com muita alegria e depois de alguma conversa levaram-nos à cobertura no 12º andar para vermos a cidade.

Lá em cima, logo de imediato tivemos a visão da cidade num raio de 360°. Grande, toda plana, e iluminada com múltiplas luzes coloridas. Um espetáculo bonito.

Depois descemos (ainda estávamos com os patins nos pés) e levaram-nos a um bar em frente para bebermos algo.

Chegando ao bar, um senhor que lá estava dirigiu-se até nós e perguntou se poderíamos patinar mais um pouco para que pudesse filmar-nos e em seguida explicou: Morando perto, soube da patinação na rua, mas ao procurar-nos tínhamos acabado de sair, e por estar ainda com a filmadora, queria aproveitar a oportunidade. Concordamos, lógico, e a filmagem foi feita. Terminando, comunicou-nos que as imagens seriam apresentadas logo no dia seguinte pela TV Jornal do Commércio, onde trabalhava, acrescentando que a TV se encontrava em fase experimental. Não lembro a hora da exibição, mas seria à tarde e convidou-nos para que fôssemos um dia ao jornal para uma entrevista com um repórter.

Nessa noite, 1º de março de 1960, acabava o carnaval.

Dia seguinte fomos cedo à oficina para apanhar a moto que já estava pronta. Ficou uma beleza! Aquele seu barulho característico da descarga livre mostrando sua tremenda disposição, voltara. Que maravilha!

Além do mais, estava limpinha, polida e perfumada. Beleza!

Saímos para experimentá-la e pegamos a direção de casa por ser hora do almoço. Depois de almoçarmos resolvemos dar um passeio por Olinda que ficava próximo e aproveitaríamos para ver na TV a nossa apresentação, o que não poderia ser feito na casa da mãe do Fernando porque lá não havia televisão. E isso acontecia na maioria das casas por se tratar de objeto caro, raro e por isso considerado como luxo na época.

Passeando por Olinda onde existe muitas casas na beira daquelas praias lindíssimas, diferente de Recife que na orla marítima tem muitos edifícios, procuramos uma casa que tivesse antena de TV, o que era raro na época pelo fato de estar iniciando o sistema na região. Achamos uma e lá os moradores nos autorizaram entrar para assistir.

Interior luxuoso, muitas dependências e uma sala espaçosa. Ficamos ali conversando entre sofás e poltronas, bebendo uísque servido pelo anfitrião Sr. Diniz e, através da TV marca Philco, que apresentava uma imagem excelente, sem chuviscos, fantasmas ou o que fosse (sendo Olinda e Recife cidades planas, o sinal não sofre interferências. O mesmo não acontecia no Rio devido aos morros), ficamos algum tempo vendo apresentações do carnaval, mas sem as cores porque na época a TV era somente preta e branca. Até que em determinado momento e rapidamente, apareceram algumas imagens mostrando nossa patinação e foi só.

Satisfeitos, agradecemos pela gentil recepção proporcionada e voltamos diretos para Recife.

No dia seguinte, combinei com a Zezé irmã do Fernando com quem havia feito boa amizade (na ocasião era viúva), para darmos um passeio de moto pelos pontos pitorescos, nascida e criada em Recife até quando se casou, conhecia muitos locais interessantes, principalmente as praias da região.

Mas mal sabia o que estava para acontecer....
 
 
 
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