RICARDO LUGRIS NA REVISTA ÉPOCA NEGÓCIOS
Nosso parceiro, o amigo Ricardo Lugris, em entrevista para a Revista Época Negócios, fala como consegue conciliar a sua vida de executivo da Embraer com a sua paixão nas viagens de motocicleta pelo mundo.
Vale a pena dar uma conferida nesta matéria, na seção Inspiração da edição Nº 61, de março.
A FELICIDADE TEM DUAS RODAS (E UM BAITA MOTOR)07/03/2012 - por EDIÇÃO DE CARLOS RYDLEWSKI
Ricardo Lugris é responsável pela venda de jatos da Embraer na Europa. Mas, nas horas vagas, ninguém o tira da sela de uma moto: ele já percorreu 60 países em viagens que, somadas, equivalem a nove voltas ao redor da Terra
Lugris, com sua BMW 1200, ao lado do Castelo de Chantilly, na França (Foto: Hamilton de Oliveira/Época Negócios)
Eu tinha pouco mais de 10 anos quando surgiu na minha frente uma figura tão inesperada quanto instigante. Era `o' inglês. Disse `o' em vez de `um' inglês porque esse era especial. Ele chegou na sela de uma fantástica moto preta – à época, chamávamos essas máquinas de motociclo. Parou na minha cidade natal, Bagé (RS), na divisa com o Uruguai, mas seu destino era outro. Ele pretendia cruzar a América do Sul naquela BMW R69. E sua bagagem trazia alguns elementos que endossavam tal disposição. Ela estava coberta por dezenas de adesivos, provenientes dos mais diversos países. Eles formavam uma espécie de mapa-múndi colante. Só posso dizer que a visão daquele sujeito (e seu mosaico de adesivos) tinha tudo para virar a cabeça de um gurizinho da fronteira.
E virou. Hoje, aos 54 anos, deixei para trás 350 mil quilômetros de estradas de todos os tipos, espalhadas por 60 países. Percorri esse longo caminho, o equivalente a quase nove voltas em torno da Terra, em uma motocicleta. Viajar sobre duas rodas passou a ser tão importante para a minha sobrevivência como respirar. A minha bagagem? Claro, está cheia de adesivos colhidos nesses lugares. Colar cada um deles no bagageiro tornou-se não somente um hábito, mas uma espécie de homenagem ao momento em que sonhei imitar aquele viajante desconhecido.
Parti para a estrada nos anos 70, percorrendo trilhas de terra no Brasil. Participei de algumas disputas de enduro, mas meus resultados eram sempre sofríveis. Percebi que minha vocação não estava nas competições. Estava no prazer de descobrir novos caminhos e pessoas, usando o meio de locomoção que considero perfeito: a moto chega a lugares que um carro jamais alcançaria. Assim, esse se tornou o meu negócio.
Disse negócio, mas deveria ter dito hobby. Meu negócio, no sentido estrito do termo, é outro. Formei-me em Letras e sou fluente em seis idiomas. Em 1983, entrei na divisão de vendas internacionais da Embraer e me mudei para São José dos Campos (SP).
Ricardo LugrisO que faz:
Responsável pela venda de jatos da Embraer na EuropaHobby:
Viagens de motoMoto atual:
BMW 1200 GS AdventureMelhor momento sobre duas rodas: "Chegar em casa, em Bagé, após percorrer 6 mil quilômetros em seis dias"
Maior sufoco: "Cruzar o deserto de Karakoum, no Turcomenistão, um dos mais isolados e quentes do mundo. Fiz 550 quilômetros em 16 horas, com direito a uma queda"
Em 1996, fui transferido para a França e as coisas mudaram. Minha missão era abrir o mercado europeu para o avião ERJ 145, um jato para 50 passageiros. Vender essa aeronave no exterior era crucial para a sobrevivência da companhia, então recém-privatizada. Durante quase dois anos, nem pensei em motocicletas.
Mas... certo dia, entrei em uma loja da BMW, em Paris. Eu procurava peças para a moto de um amigo do Brasil. Para resumir a história: saí dali montado em uma GS 650. Pouco depois estava rodando pelas estradas francesas na companhia de minha mulher, Graça. Esses passeios tornaram-se nossa terapia contra o estresse provocado por longos deslocamentos profissionais. Para descansar de viagens, portanto, viajávamos.
E a coisa evoluiu. Certa vez, lendo uma reportagem sobre o Caminho de Santiago, na Espanha, tivemos a ideia de percorrer os 800 quilômetros entre Saint-Jean-Pied-de-Port, na França, e Santiago de Compostela. O passeio foi mal planejado. Chegamos a ser advertidos pela polícia espanhola pela falta de luvas, obrigatórias naquele país. Mas a aventura serviu de estopim para avançarmos sobre rotas mais ambiciosas.
Hoje, a motivação para ganhar a estrada está relacionada a um tema, a uma ideia – ou a um livro. Decidi percorrer o trajeto do Expresso Oriente, de Paris a Istambul, após ler a mítica história desse trem. Organizei o roteiro passando pelas cidades onde ele fazia escalas. Nessa jornada, atravessamos regiões incríveis como a Alsácia, a Boêmia, a Transilvânia e a Bulgária, até alcançar Istambul. Em outra ocasião percorremos a Rota da Seda, de Paris ao Uzbequistão (23 dias e 9,3 mil quilômetros). Cruzamos a Turquia e o Irã, passando pelo deserto de Karakoum, no Turcomenistão. Visitamos também as milenares cidades fortificadas de Khiva, Bukhara e Samarcanda, lugares tão bem descritos pelo escritor inglês Rudyard Kipling.
Paisagens de A a ZA versatilidade da moto permite ao viajante encarar qualquer estrada (e até a ausência delas). O mix de destinos de Ricardo Lugris inclui locais como (1) São Petersburgo, na Rússia, (2) o deserto de Karakoum, no Turcomenistão, (3) Khiva, no Uzbequistão, (4) castelos na Escócia, (5) o complexo de Kasbah Ait Ben Haddou, no Marrocos, em viagens-solo (6) ou em grupo (7) (Foto: Acervo Pessoal)
É interessante como esses passeios despertam a curiosidade das pessoas. E elas não se interessam somente pelos detalhes da aventura. Muita gente quer saber como concilio minha atividade profissional com meus passeios. Devo admitir: é uma manobra digna de um equilibrista. Mas tenho meus trunfos. Em primeiro lugar, conto com a parceria e cumplicidade de colegas e clientes. Eles me apoiam nessas investidas.
Também acredito que minhas viagens são úteis do ponto de vista profissional. Adoro, por exemplo, rodar pela Turquia. Seu povo é orgulhoso, amável, alegre e criativo. A paisagem é pródiga, ao reunir o mar e as montanhas. Há ainda a gastronomia e as antiguidades. Nos contatos com companhias aéreas turcas, sinto-me amplamente preparado para lidar com a mentalidade e as idiossincrasias dos seus executivos. E eles percebem que conheço em detalhes sua cultura e seu povo.
Para Lugris, cenários como a Garganta de Todra, no Marrocos (foto), induzem à reflexão: "Isolado, sob o capacete, surgem bons momentos para solucionar problemas pessoais e profissionais" (Foto: Acervo Pessoal)
É impressionante também como nos prendemos a escritórios. O fato é que jamais tive um problema que não pudesse ser resolvido a distância. Além do mais, não é por acaso que o termo `mobilidade' define a essência da tecnologia nos dias atuais. Meu capacete é equipado com bluetooth, o que me permite falar ao telefone sem tirar as mãos do guidão. Sempre carrego um laptop e um iPad, além do indefectível BlackBerry. Durante as viagens, aproveito as pausas para descanso, a cada 200 quilômetros, para ler minhas mensagens.
Em geral, viajo sozinho ou com minha mulher. Nos últimos anos, percorri alguns roteiros com amigos, passando por países remotos e complicados (como o Irã). Não sou um simpatizante de passeios em grupo. Mas reconheço que um punhado de bons companheiros (não mais que quatro) confere um colorido e uma cumplicidade extraordinários ao passeio, além de exercitar o espírito de equipe.
E tudo acontece numa espécie de moto-contínuo (sem duplo sentido). Ao retornar de uma viagem, tenho por hábito tomar uma cervejinha em um café na cidade de Chantilly, perto de Paris, onde moro. Ali, antes mesmo de voltar para casa, abro o mapa-múndi e começo a pensar na aventura seguinte. Esse ritual conecta a última viagem à próxima. Entre ambas, a dedicação ao trabalho e a busca por resultados será mais intensa, pois tenho um novo projeto à minha espera. E isso é algo que me motiva não só a trabalhar mais, mas a viver mais."
A regra número 1 de Ricardo Lugris: "O maior perigo de uma viagem é não partir". A frase é de Amyr Klink, o solitário explorador dos mares. "Planejar demais às vezes é ruim", diz o executivo e motoviajante