As Viagens de Ricardo Lugris

TOUR PELO GRANDE NORTE

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26 de julho
Em um belo dia de verão, onde minha rotina profissional me fez acordar em Dublin, almocei em Chantilly, fechei minhas bagagens e, partindo no meio da tarde, fui jantar com meu parceiro e amigo de muitos anos, Bruno, em Hannover, a 750 km de distância.

Estamos iniciando uma nova viagem de motocicleta. Sem grandes planejamentos, do jeito que eu gosto. Simplesmente, escolher o destino, ver se cabe nas suas férias, calcular a roupa e equipamento adequados ao clima e às latitudes em questão e.... partir!

Estamos indo para o extremo norte da Europa, no Círculo Polar Ártico. Vamos percorrer a Noruega, Suécia e Finlândia, retornando, se possível pela taiga Russa, em Murmansk. Em seguida, nossas motos percorrerão a Estônia, Letônia e Lituânia, retornando à França através da Polônia e Alemanha.

Sinceramente, não me dei o trabalho de calcular a distância total. Isso, não é realmente importante.

O que fundamentalmente vale a pena é visitar novos lugares e ter também o privilégio de re-visitar aqueles outros que em algum dia nos deixaram comovidos por seus aspectos únicos e extraordinários. Graça e eu estivemos por duas vezes percorrendo a Noruega de moto.

Sempre é bom pegar a estrada, mesmo que faça 33 graus e você esteja vestido com roupas para o Círculo Polar Ártico. O verão no Paralelo 68, onde se encontra o Cabo Norte, gira em torno dos 10 graus em um dia bem quente....

Com rapidez na nova BM, cruzo o norte da França, a Bélgica em menos de duas horas e entro pelo Ruhr, região mais industrializada do país Campeão Mundial de Futebol.

Minha moto leva uma bandeira brasileira na manopla esquerda e recebo acenos e sorrisos de muita gente. Teve um que me mostrou sete dedos......

Resignado, larguei o guidão a 130 km por hora e fiz um sinal de aceitação correspondente ao meu sentimento. Fazer o que....

Ainda há muitos carros levando a bandeira alemã por todo o país. E, quando vemos o que eles tem em sua terra, é natural que eles se sintam orgulhosos, e não somente por ter vencido o mundial.
Bruno me liga quando estou a 30 kms de distancia do hotel.

O que você quer jantar, pergunta ele. São já 22:30h e o restaurante do hotel vai fechar.

Chego, e vou diretamente para a mesa. Foi um dia longo, mereço um bom descanso, mas isso, depois de descer umas duas ou três boas cervejas campeãs do mundo, acompanhadas de um filé de frango frio....
Amanhã, começa efetivamente uma não planejada viagem.

Rumo norte, norte, norte.

Um dos detalhes preparados por Bruno é a localização nossa, via satélite que poderá ser seguida por nossos amigos a qualquer momento, em tempo real. Confiram no link

27 de julho

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Chove muito, a visibilidade é escassa, o solo escorregadio e a temperatura bastante baixa para a estação. Começar uma viagem de moto nessas circunstâncias não anima a ninguém.

Bruno não se encontra muito confortável no manejo de Sua moto, uma KTM 1190, que é nova. Sua experiência com ela é quase nenhuma pois ele a fez vir de Madrid à Alemanha em caminhão.

Saímos cautelosamente de nosso hotel em Garbsen, perto de Hannover, para tomar a autobahn que nos levará à Dinamarca, de onde tomaremos o ferry para a Noruega.

A Auto-estrada está movimentada, portanto, todo cuidado é pouco.

Avançamos com dificuldade, enterrados em nossos capacetes para evitar que a água penetre pelo colarinho, uma sensação que é sempre bastante desconfortável.

Em menos de uma hora, a chuva, antes abundante, vai se tornando escassa e a temperatura começa a subir.

Sem que nós demos conta, chegamos a 30 graus e um sol de chumbo antes do meio dia. Como todo motociclista de viagem que se preza, não gosto de auto-estrada.

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Utilizo este tipo de via somente quando preciso posicionar-me, ou quando tenho deslocamentos longos que exigem mais velocidade em função da distancia.

As autobahns alemãs não tem limite de velocidade portanto, o cuidado precisa ser redobrado.
Você acha que está "abafando" com sua moto a 160km/h e, de repente, você sente passar um Porsche, ou qualquer outro carro esportivo, na faixa rápida a mais de 200 km/h... Fique fora dessa faixa, meu "anjo da guarda" fica me dizendo.

Em um determinado momento, percebo que Bruno ficou para trás. Decido esperá-lo em uma área de repouso e meu telefone toca.

Bruno me informa que perdeu uma das duas valises de alumínio que inexplicavelmente soltou-se de sua moto em plena auto-estrada alemã.

Alguém lhe avisou que a mala estava ao lado da estrada a menos de dois km de distancia.
Bruno pediu- me que o esperasse e fez o retorno para ir buscar a valise.

Quando chegou, bastante frustrado me disse que a mala não estava mais lá.

Tanto faz, disse ele, nessa mala, ele tinha as ferramentas da moto e o material de camping.

Ao continuar nosso caminho encontramos uma viatura da "Polizei" e dissemos a eles o que tinha ocorrido. A valise, se soltara da moto.

Eles responderam que a mala estava no comissariado mais próximo, a uns 33 km ao sul de onde nos encontrávamos.

Fomos imediatamente até a polícia e ali fomos informados que a valise de alumínio, ao cair tinha sido "atropelada" por uma van provocando a quebra do cárter e o vazamento do veículo.

A mala de Bruno ficou totalmente destruída.

Seu conteúdo, foi queimado com o atrito e encharcado de óleo da camionete.

Em menos de 10 minutos os eficientes agentes da Polizei alemã fizeram a rotina de seguro e nos liberaram para continuar viagem.

Encontramos um concessionário KTM a 40 km mais ao sul e fomos comprar uma nova valise.

Assim um tanto quanto inconscientemente, já tínhamos recuado perto de 80 km.

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Chegamos finalmente ao Porto de Hirsthals, de onde tomamos o ferry de 4 horas para a Noruega.

Desembarcamos às duas da manhã, cansados e sem dormir, em um dia que parecia infinito.

Meus queridos amigos noruegueses de mais de 30 anos, Kjell e Liv, nos hospedariam nesse restante de noite. Liv, sempre muito organizada e previdente, informou-me que a porta de sua casa de verão, junto ao ao mar, no fiorde de Sandefjord, estaria aberta.

Acabamos indo dormir quase às 4 hs da manhã depois de 20 horas de intensa viagem nesse dia.

O que deveria ser um dia de rotina, acabou sendo uma jornada longa repleta de pequenos estresses e preocupações. Realmente cansativa.

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Acordamos as 9 hs da amanhã para aproveitar um dia de sol na pequena casa de sonho de nossos amigos noruegueses.

Kjell, foi o presidente de uma companhia aérea a quem vendi três aeronaves há mais de 30 anos. Continuamos amigos durante todo esse tempo.

Eles vivem no sul da Noruega, em uma antiga fazenda e sua casa de verão fica a menos de 500 metros. Um lugar de sonho, em um dia impossível para um país nórdico, pudemos relaxar com um bom banho de mar, passeio de barco e almoço no adorável deck dessa casinha de madeira construída pelo avô de Liv em 1923.

28 de julho

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Como descrever um domingo perfeito?

Em uma viagem, qualquer que seja, o que faz um dia ser inesquecível? A meteorologia, as paisagens, as pessoas, a comida?

A verdade é que o dia que vivemos hoje foi realmente perfeito.

Fizemos perto de 500 kms em algo mais do que 10 horas. Aqui na Noruega, viajar é assim, em "slow motion". Não há auto-estradas e as velocidades são rigorosamente controladas. Assim, a média geral de velocidade fica em torno dos 50 km/h.

Mesmo assim, em momento algun você pode dizer que esteve entediado, que o tempo não passa e que você não vê os quilômetros passar.

Saímos de Geilo, uma estação de esqui com um nome quase exato, em torno das 9:30 depois de passar a noite em uma pequena cabana com todo o conforto de um bom hotel.

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Chegamos tarde na noite anterior pois ficamos com nossos amigos noruegueses até o final da tarde. Depois de abastecer com uma gasolina a 2 euros o litro, pegamos a estrada com a intenção de percorrer alguns lugares que não conheci em minhas viagens anteriores por este país escandinavo.

Quando você viaja pela Noruega, a primeira coisa que chama a atenção é a uniformidade no padrão de vida da população. Não há pobres nem ricos. Todas as casas são bem mantidas e seus jardins impecáveis.

O país é caro mas tudo é extremamente organizado. O povo é amável e curioso.

Eu viajo com um passaporte espanhol e uma moto com placa francesa. O Bruno, é francês e viaja com uma moto matriculada na Espanha, só isso já vira motivo de brincadeira.

Em um dos vilarejos, havia um casal de noivos fazendo fotos ao lado da estrada, junto a um fiorde.
Parei a moto, dei a eles os parabéns e disse à noiva: pensando bem, monta aí atrás e vem comigo conhecer o mundo!

Ela caiu na gargalhada. O noivo, acho que sorriu meio amarelo....

De qualquer forma, isso mostra o espírito descontraído e desarmado deste país que, infelizmente, em função das ameaças do islamismo radical, começa a mudar para poder se proteger melhor.

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Voltando ao assunto de nossa viagem de moto, percorremos uma estrada fabulosa, subindo até perto de 1200 metros, onde a neve teima em permanecer durante o verão.

Bruno vai se acostumando com a nova moto e parece bem mais à vontade. Aproveitamos para filmar com uma GoPro essas maravilhas que a geografia deste país insiste em te apresentar.

Entre Bergen e Estavanger, região que percorremos hoje, é onde se encontram os maiores fiordes. Alguns deles como o Sognefjord, chega a ter 80 km de comprimento. Você pode se banhar em água salgada e pescar salmões selvagens a essa distancia do mar...

Com a multiplicidade de montanhas, intercaladas pelos indefectíveis fiordes, a única maneira de poder organizar a comunicação viária deste país é construindo túneis.

Aqui, eles são feitos de maneira sumária: como as montanhas são de rocha pura, eles simplesmente fazem uma galeria no coração da montanha, asfaltam e nem se preocupam em colocar iluminação.
O mais divertido é quando você entra no túnel usando óculos de sol. Você fica completamente cego. Os faróis da moto se acendem automaticamente mas suas pupilas precisam de uns 30 segundos de adaptação. Nesse tempinho, você fica extremamente inseguro pois alguns túneis são feitos em curva e outros, são povoados por ovelhas que adoram ficar no frescor do túnel e fugir de um calor ao que elas não estão acostumadas.

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Se você vê dois olhinhos brilhando no escuro, é uma delas.... E nunca estão sozinhas, ovelhas andam sempre "de a três"...

No interior do túnel, a temperatura está normalmente uns 10 graus abaixo da temperatura fora, aí o segundo fenômeno é que osmoculos, pára-brisa e retrovisores se resfriam ao longo dos vários kms no túnel e ao sair, fica tudo embaçado.

Ou seja, você entra e sai cego, por duas razões diferentes.

Um desses túneis que passamos hoje, só como curiosidade, tinha 27 kms de comprimento. Parecia o caminho do inferno, de tão escuro.

E assim, como se fosse um passeio domingueiro de moto, fomos percorrendo estas paisagens inacreditáveis até chegar, pelo alto e com direito a uma vista estupenda, ao príncipe dos fiordes, o mais bonito deles, o Geiranger.

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Resolvemos montar nossas barracas e ficamos em um belo camping ao lado de uma generosa cachoeira para aproveitar o final de tarde de um domingo perfeito.

O cardápio do jantar será chouriço espanhol, um par de patés franceses e duas cervejinhas sem álcool, a única disponível na lojinha do camping.

Simples e de boa qualidade, combinando com este dia extraordinário.

E, depois, dormir cedo pois amanhã teremos duas das estradas mais celebradas do mundo.

Mas isso será amanhã.

29 de julho

Existem estradas e....estradas! Todas elas, obviamente, feitas para serem percorridas. Algumas, são apenas concebidas para que se possa chegar.

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Por exemplo, Quando você entra em uma auto-estrada, ou uma rodovia sem atrativos, tudo o que você quer é acabar com ela e chegar o quanto antes ao seu destino.

Entretanto, muitos caminhos tem uma personalidade e carisma todo especial e te fazem sentir que percorrê-los, é quase como participar de uma procissão religiosa, só que um pouco mais acelerado, é claro!

Qualquer motociclista que se preza já ouviu falar de estradas como a "Carretera de La Muerte", na Bolívia, o "Passo dello Stelvio", no norte da Itália, o Grossglokner, na Áustria e mesmo conhece a linda Estrada do Rio do Rastro, em Santa Catarina.

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Esta manhã, depois de pernoitar em um dos lugares mais bonitos do planeta, o Fiorde de Geiranger, recolhemos nossas barracas, sempre com o fundo musical de uma cachoeira apenas à 10 metros, que embalou nosso cansado sono na noite anterior, colocamos o pneu na estrada para cruzar o centro-oeste deste maravilhoso país e testar a nossa mão em duas dessas míticas estradas, ambas consideradas no top 10 do ranking mundial: o Trollstigen (A escada do gigante) e a Atlanterhavsvegen (A via do Atlântico).

Do povoado de Geiranger, adoravelmente instalado no fundo do fiorde de mesmo nome, saímos tranqüilos nesta manhã de muito sol e iniciamos uma subida extraordinária de onde se pode ver tanto a cidadezinha, quanto o seu fiorde em uma boa parte de sua extensão.

Cartão postal da Noruega, o Geiranger é conhecido pela "Pedra do Púlpito" e por aquele rochedo encravado entre duas montanhas, como se estivesse em suspenso, onde os mais ousados se instalam para uma foto lendária.

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Durante a subida eu decidi fazer uma paradinha para uma foto e o Bruno teve um problema com sua KTM que é bastante alta para ele.

Com o ângulo íngreme da encosta, a moto tombou para o lado direito, de onde é extremamente difícil controlá-la.

Foi segurada pelo pára-choque de um carro, fazendo no veículo um belo arranhão.

Na casa em frente, uma senhora cuidava de seu jardim, nos olhou com mais curiosidade do que espanto.

Eu perguntei: o carro é seu?
Ela, confirmou com a cabeça, calmamente.
Aí eu disse, o pára-choque arranhou, lamento muito. A Sra. quer descer para vermos isso?
A resposta foi: se foi só o pára-choque, tudo bem.
Pedimos desculpas novamente e saímos um tanto quanto envergonhados....

No alto do fiorde, a estrada serpenteia entre vales e florestas até chegar, 30 kms depois, a um ferry de 15 minutos para passar ao outro lado de um novo fiorde.

Todo o transporte rodoviário da Noruega precisa ser composto com barcos que fazem sucessivamente as travessias entre os inúmeros fiordes que formam a costa deste geograficamente estranho país.

A Noruega, acreditem se quiser, era um país plano como a Suécia e a Finlândia. Com a era glacial, a pressão dos grandes glaciares simplesmente "enrugou" essas planícies e o mar invadiu o espaço vazio, formando entradas de mar, como grandes rios, que podem ter quase uma centena de km terra a dentro.
Ao chegarmos ao começo da Trollstigen, tivemos a irônica surpresa de ver que a neblina cobria a encosta da montanha onde se desenrolam os 10 km de descida (ou subida?) dessa bela estradinha.

Mesmo assim, apontamos o pára-lama dianteiro de nossas motos e começamos a descer. É um asfalto perfeito, cotovelos de 190 graus e a largura para apenas um veículo, com pontos de ultrapassagem a cada 100m. Se dois veículos se encontram, um deles precisa recuar até o ponto de ultrapassagem, o que é feito civilmente.

Na borda exterior da estrada, apenas marcos de pedra fazem semblante de proteção, o que transforma esses curtos 10 km em um exercício de sangue frio para um motociclista.

E além do mais.... Na nossa vez, no nosso dia, tinha neblina... Eu mereço.

Não só não conseguiria ver a estrada como um todo, como poderia ser que não visse a minha última curva...

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Como estou escrevendo isto, vocês podem imaginar que está história teve final feliz no que diz respeito às curvas. Quanto à Trollstigen como um todo, acho que vou ter que voltar outra vez. Não vi nada. Continuamos em direção ao Oeste onde, a 80 km encontraríamos outra rodovia famosa, a Via do Atlântico, uma maravilha arquitetônica que se estende por 37 km, de ilha em ilha, com pontes em curva e em ângulo, simplesmente extraordinários.

Ali, um dia de sol esplêndido nos deu a melhor as vistas que essa linda estrada poderia nos proporcionar.

Em 2004 tive a alegria de passar por ela com a Graça. Valeu agora a pena rever esta bela obra de engenharia e criatividade.

Almoçamos em pique-nique com compras que fizemos em um supermercado e coisas que eu trouxe da França em um lugar com uma bela vista para o Mar do Norte.

Terminado o almoço, restava-nos ainda fazer 250 km até Trondheim onde pretendíamos encontrar um lugar para passar a noite.

Em qualquer caso, uma motocicleta em viagem se assemelha muito a um veleiro. O mais importante não é chegar.

Bom mesmo é percorrer.

30 de julho

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Hoje peguei um buraco na estrada!

Foram mais de 2000 km na Noruega para poder achar um buraco! Difícil né?

Bem, estou rodando por aqui, percorrendo lugares de sonho há 4 dias. Hoje achei um buraco na estrada. E passei dentro dele. Não poderia perdê-lo.

Na moto, a gente tem tempo para pensar, viajar dentro da viagem, com diz o filósofo Alain de Bottom.

Assim, depois de 2000 km percorridos pela Noruega, dou-me conta de uma série de números, e estatísticas referentes a este tranquilo país que gostaria de poder compartilhar com vocês.

Nesses quatro dias, encontramos, como disse acima, UM buraco no asfalto das estradas.
Vimos DOIS policiais, um deles no porto de chegada.
Também vimos passar TRÊS viaturas de polícia.
Cruzamos até agora 48 túneis, todos escuros e frios, como a alma de Putin.
Estivemos em 14 ferrys, lugares de convívio na espera da chegada do barco e no tempo de travessia, propício a uma boa conversa e troca de experiências.
Encontramos 3500 sorrisos e UM meio sorriso (o de um Harlysta quando lhe perguntei se tinha saído com a moto para tirar o mofo.... A moto era verde...)
14 pessoas nos perguntaram de onde vínhamos e todas se surpreenderam ao saber que eu vinha do Brasil....
Duas, perguntaram se eu vim DESDE o Brasil de moto...

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E assim vamos juntando estatísticas que nos acompanham a cada dia em uma viagem tão particularmente especial em um pequeno país que, apesar de ser o terceiro produtor de petróleo no mundo, cobra dois euros por litro de gasolina.

Um país, talvez o mais rico do mundo, onde seus habitantes ainda cortam sua própria lenha para passar o rigoroso inverno, pagam até 70% de imposto de renda e não há absolutamente brechas sociais.

100% das casas são construídas em madeira e 100% delas estão bem pitada. também 100% dessas mesmas casas tem um belo jardim.

Encontramos um camping com cabanas e a gerente era brasileira. Tivemos tratamento diferenciado. Algo do tipo VIP.... Ela me ofereceu um cartão de Turista Freqüente do Camping mas acho que não vou fazer muitos pontos...

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Enfim, saímos cedo e rodamos lindos 620 km pela E6, espinha dorsal da Noruega que junto com o Urtigruten, que é o navio que liga todas as comunidades da costa norueguesa, de sul à norte todas as semanas, integram este longo país de geografia ao mesmo tempo fascinante e impossível.

À medida que fomos nos aproximando do Paralelo 66o 33' que é onde se encontra o Círculo Polar Ártico, nossos corações se puseram a bater um pouquinho mais forte. A partir desse lugar, onde chegamos com 17 graus de temperatura, o sol não se põe no mês de julho, são as famosas "noites brancas.


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Dali, mais 200 km e embarcamos sob um sol de cinema, em um novo ferry para as Ilhas Lofoten, conhecidas como o Caribe do Ártico, onde tive a emoção de ver o Sol da Meia Noite com Graça pela primeira vez, em 2004.

Dessa viagem, resultou nossa primeira matéria para a Revista Duas Rodas.

Chegaremos as 9 da noite e a tarefa principal será encontrar um lugar confortável para essa noite.

As ilhas nos receberão no dia de amanhã, a caminho de nosso objetivo, o Cabo Norte, onde a estrada se acaba. Dali, o caminho é de volta.

31 de julho

Estacionei a moto ao longo da estrada para registrar o fotogênico vilarejo de Reine, nas remotas Ilhas Lofoten. Na pressa de tirar uma boa foto, não percebi que a rampa do acostamento era bastante pronunciada, quando me dei de conta, a moto deslizou e tombou para o lado.

A GS 1200 Adventure quando em movimento, quando está rodando, é uma bicicleta, mas para manejá-la imóvel é preciso ter cuidado.

Quando essa moto deita, é pior que uma vaca para levantá-la.

Imediatamente Bruno veio ajudar-me a erguer a moto.

Parou ao lado um carro. O motorista olhou para nós por uns cinco segundos, analisou suas possibilidades e decidiu que era muito esforço, dando meia volta e abandonando o lugar do crime.

Tivemos que fazer a vaquinha levantar entre os dois...

Foi assim meu primeiro contato com o solo destas Ilhas localizadas no paralelo 69 Norte de onde partem as centenas de barcos para a pesca do bacalhau que habita as águas do Atlântico ao largo desse arquipélago, graças à Corrente do Golfo do México que traz águas mais quentes para a região.

Assim como no Chile e Peru, que recebem a Corrente de Humbolt e que esfria as águas do Pacífico, tornando toleráveis as temperaturas no deserto de Atacama, por exemplo, a Noruega deve à temperatura de suas águas na costa Oeste o clima ameno de suas cidades junto ao Mar do norte, comparado com o clima muito mais rigoroso do interior do país.

Decidimos, depois do exercício com minha moto-vaca, procurar um lugar para ficar em Reine, pois o vilarejo simplesmente nos seduziu. Além do fato que tínhamos feito 10 horas de moto e 4 de ferry. Conseguimos achar um RORBU, uma cabana de pescador que é alugada aos turistas na temporada de verão. O lugar, no meio do porto, era simplesmente sublime.

Decidi que não haveria momento melhor do que aquele para abrir a garrafa de Shiraz do Lázio que trouxe comigo desde Chantilly, e sentar-me no deck da pequena casinha de madeira para apreciar o fim de tarde, o porto, as gaivotas e a noite sem fim.

São estes os momentos que pagam todo o esforço e a determinação um pouco teimosa de ir ver lugares que não conhecemos. Pagam, sem duvida o cansaço, dores pelo corpo, câimbras e outras mazelas da viagem.

No fim, é interiorizando nossas emoções e traduzindo sentimentos é que assimilamos o que nos rodeia.
Somos uma máquina de percepções. E assim é a pegada, a marca na trilha que iremos recordar no registro de nossas existências.

À meia noite, com uma luz surrealista, fiz um brinde ao privilégio de poder estar ali. Aquele sol da meia noite era meu.

Brindei à minha parceira, Graça que descobriu comigo, estas Ilhas e o Grande norte da Noruega há dez anos.

Relutantemente fui me recolher e fiz meu lugar na cama entre emoções e memórias espalhadas no cobertor como se fossem fotos antigas.

Amanheceu.... (Bem, considerando que não houve noite, pode-se dizer que amanheceu?) com o céu carregado de chumbo.

Parecia que ele tinha ficado enciumado de minha contemplação na noite(?) anterior.

Impossível, evidentemente, seria muita pretensão, inclusive para mim.

Na verdade, há vários dias na anti-depressão meteorológica, as temperaturas estavam bem acima do que a média anual nesta região.

Era inevitável que o tempo mudasse. Aliás, nestas latitudes, a única constância no tempo é a mudança... Assim, deixamos nossa adorável cabana e a belíssima Reine para percorrer as ilhas até o seu extremo norte, em Andenes, de onde tomaríamos um novo ferry para o continente.

A chuva não tardou em chegar. Pegajosa, densa, fria e cruel.

Estávamos mal acostumados com 5 dias de sol e, na Escandinavia, isso é absolutamente raro!

Mesmo assim, teimosamente decidimos visitar os lugares encantadores como o secreto e tímido vilarejo-porto de Nusfjord, acessível somente para quem conhece e que por ser tão pequeno e isolado, cobra 50 coroas de entrada para cada visitante.

O guarda na entrada do vilarejo ao ver a moto perguntou-me se eu estava hospedado em um dos hotéis.
Não resisti e disse que sim.... Economizando as 50 coroas.

Acho que pagar para visitar uma cidade é um tanto quanto demais.

É como pagar para visitar uma igreja, inaceitável.

Em uma velocidade de escargô, fomos cruzando, sempre abaixo de muita chuva, os 300 km que nos separam do extremo norte das ilhas que se conectan entre sí através de lindas pontes, os indefectíveis túneis, e mesmo um curto ferry.

Apesar do aguaceiro, constatamos como são extraordinárias as belas praias banhadas por um mar azul como os olhos deste povo.

A vida de seus habitantes, dura e corajosa, porém harmônica e bem organizada, permite, de alguma forma, pensar que a vida pode ser muito mais do que simplesmente existir.

E assim, filosofando sob a chuva, fomos inexoravelmente chegando a Andenes, o ponto extremo do norte das ilhas, de onde retornaremos ao continente para continuar procurando o nosso Norte.

E não é isso que procuramos todos, com moto ou sem moto, o Norte?

Nota: no momento em que escrevo estas linhas, meu amigo Bruno já se encontra a caminho de Helsinki. Pressionado por assuntos de trabalho, teve que desistir e retornar mais cedo. Lamento a perda dessa fantástica companhia. Infelizmente, todos sabemos que na vida existem prioridades. Desejo a ele uma boa viagem de retorno. Eu, continuo....

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2 de agosto

Uma viagem que vem se desenvolvendo a dois, sofre uma tremenda ruptura com a partida de um dos parceiros.

Muitas coisas mudam nesse momento, felizmente, nem todas negativamente.

Todos sabemos que em qualquer viagem, de moto ou não, ter um amigo ao lado é super-importante para compartir os bons momentos, os lugares, as refeições, e também os momentos mais complicados.

Bruno e eu nos conhecemos há vários anos e viajamos juntos de motocicleta pela Ásia Central, África e América Latina.

Infelizmente, nesta oportunidade, seus problemas de trabalho falaram mais forte e ele já não tinha a concentração e motivação necessária para continuar com a sua viagem.

De qualquer forma, ele estava previsto retornar na semana que vem.

Ao fim e ao cabo, apenas antecipou de uns quatro dias.

Eu dizia que quando se viaja em dupla, em grupo, ou em solo, há dinâmicas e diferenças de tempos, ritmo, velocidades, esperas, etc.

Ontem pela manhã Bruno confirmou-me que não poderia continuar, mesmo estando a menos de 600 km do Cabo norte, nossa meta final.

Respeitei sua decisão pois já percebia que ele não estava verdadeiramente motivado. A viagem de motocicleta é física e exigente. Se você não tem a devida motivação, ela se torna impossível a tolerar.
Assim, nos despedimos em um cruzamento de duas estradas, ele, tomou a direção sudoeste, para a Finlândia e eu, prossegui em meu rumo sempre ao norte.

Imediatamente a dinâmica mudou, passei a andar no meu ritmo natural, fiz mais paradas para tirar fotos e, na hora do almoço, comparti a mesa de pic-nic com um casal de noruegueses que se deleitaram com um patê meio vagabundo que trouxe da França e eles compartilharam arenques comigo que me pareceram deliciosos. Tudo isso com uma maravilhosa vista para o mar em um confortável sol de 20 graus.

Fechei o dia em Alta, uma cidade sem grande caráter ou personalidade. Como todas as aglomerações urbanas da Noruega, ela é limpa, transparente, insípida e inodora.

Alta é a capital da região de Finnmark, a mais ao norte do país.

Encontrei um lugar adequado para passar a noite em um hotelzinho junto a um rio que passa ao longo da cidade.

Descansei um pouco no final da tarde, aproveitando para ler e escrever, o que costumeiramente me relaxa.

Depois do jantar, abri uma garrafinha de conhaque e fiquei bebericando enquanto esperava para ver as luzes (o sol) de meia noite.

Não fui desiludido. O espetáculo foi extraordinário.

Acordei-me às 3h da manhã pois tinha esquecido de fechar as cortinas do quarto e portanto, a luz e o sol nesse momento eram excepcionais. Tomei uma foto que compartilharei aqui.

Cedinho, sempre com um bom sol e temperatura em torno dos 18 graus, reorganizei minha bagagem, carreguei a moto e parti novamente para o ultimo salto de 240 km até o Cabo Norte.

Esse promontório, localizado em uma ilha ligada ao continente por um túnel, é o ponto mais setentrional aonde se pode chegar por estrada no planeta.

Tornou-se um tanto quanto um ponto de referência para qualquer viajante.

Tipo, se você não foi até o Cabo Norte, não viajou nada...

Até então, estive evitando vir até aqui porque o caminho geralmente utilizado é através da Suécia e Finlândia, super entediastes. Você só vê quatro coisas por 3000 km: floresta, lagos, renas e mosquitos! Aliás estes últimos, você não vê. Eles te vêem antes.

Assim, este ano, um pouco curto de destinos já que não consegui enviar a moto ao Uzbequistão, decidi finalmente vir ao Cabo Norte mas através da Noruega, que conheço bem e é magnifica como tive a oportunidade de mostrar até agora.

A estrada a partir de Alta que leva até o Cabo Norte é simplesmente magnifica. Serpenteando entre fiordes, pendurada na encosta de montanhas, ela alterna aspectos dramáticos, com uma suavidade tanto em sua superfície e nas suas curvas.

A moto desliza, quase voa....

A chegada ao Cabo Norte é, como dizer, bastante anti climática, um tanto quanto frustrante.
Para começar, é preciso pagar o equivalente a 30 euros para poder ter acesso ao lugar, incluindo um museu que não tem nada para mostrar.

Você estaciona, vai até o monumento, tira uma foto, passa na lojinha, compra um par de souvenirs e..... Nada!

Acho que a gente se sente como o cachorro que corre atrás do pneu do automóvel, quando o apanha, não sabe o que fazer com ele.

Eu fiquei com essa sensação.

Para compensar fui visitar dois ou três vilarejos de pescadores na região, gente que teima em viver no Paralelo 71 Norte. É alto pra caramba! As condições de vida no inverno devem ser terríveis!
Com muita neblina e vento, fui descendo para a cidadezinha de Honningsvåg a fim de retornar por 250 kms na mesma estrada da vinda e seguir agora para o leste.

Ao chegar na cidade, vejo que estava acostado o grande navio do Hurtigruten. Perguntei a dois marinheiros em que direção o navio seguia.
- Para o leste, responderam.
E quando sai?
Dentro de uma hora e meia.
Verifiquei que a próxima escala fica na península vizinha e que eu tinha a intenção de visitar.
O navio me economiza uma volta de 250 kms.
Comprei o bilhete, embarquei a moto e fui almoçar a bordo.
Sem complicações, sem dificuldades.

A parte mais difícil, já que se trata de um navio de cruzeiro, é ver a cara dos velhinhos quando eu passo com minha roupa de moto já bastante sujinha....

Em duas horas retorno à estrada que é onde eu gosto mesmo de estar.

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3 de agosto

Deixei o navio em um porto remoto no norte da Noruega. Para falar a verdade, não tinha muita certeza para onde pretendia ir, uma das vantagens de não planejar nada. A liberdade de ir e vir é total.
Resolvi virar o guidão para o norte e ir até o vilarejo de Mehamn, a uns 30 km de distância.
Aqui é onde se encontra o verdadeiro extremo norte continental na Noruega, já que o Cabo Norte, destino turístico, fica em uma ilha.

Ao chegar, encontrei um pequeno hotel para quem pratica a pesca de alto mar e eles aceitaram em alugar-me um quartinho por uma noite.

Fui procurar um café, ou qualquer lugar para poder jantar, sem resultado.

Não havia nada nesse povoado com jeito de fim de mundo...

Tampouco havia um caixa-automático e eu estava precisando de dinheiro.

Finalmente, levando em conta que há disponível uma cozinha compartida no hotel, fui ao pequeno super-mercado do lugar e comprei com o cartão, o necessário para o meu jantar.

Na Escandinávia, de maneira geral, em função das fortes limitações ao álcool, as pessoas não tem o hábito de ir a um bar, a um café e socializar. Portanto, não há bares ou cafés e os restaurantes são bastante caros.

As pessoas tem por hábito preparar suas refeições, mesmo nos hotéis.

Assim, em Roma, faça como os romanos. Preparei meu jantar enquanto espiava pela janela como a terra se movimenta, dando a impressão que o sol gira de Oeste para Leste, sem realmente se pôr. Estou ainda acima do paralelo 71 Norte.

Depois de uma curta noite de sono pois fiquei admirando o belo espetáculo do sol de meia noite, peguei novamente a estrada em direção à fronteira com a Rússia.

Uma vez que estou agora viajando sozinho, não tenho nenhum problema em passar para o outro lado e visitar Murmansk e a Península de Kola, pois nós, brasileiros, estamos dispensados de visto para a Rússia.

Após 350 km de bela estrada, cheguei a Kirkenes, no nordeste da Noruega.

Uma bela cidade portuária, realizava seu festival de verão neste dia.

O lado bom era que tinha festa. O lado negativo, é que não havia nenhuma disponibilidade de hotel na cidade.

Com a ajuda de uma gentil recepcionista de um dos hotéis, consegui um lugar para ficar junto à fronteira russa, a 15 km de distancia.

Quando retornei a Kirkenes, uma hora depois, cadê o festival? Já tinha terminado.

Na Noruega é expressamente proibido fazer qualquer tipo de barulho após as 20 h.

Resignado, regressei os 15 km que me separavam do hotel e resolvi dormir cedo.

De manhã, após um desjejum com Harenque, salmão e outras iguarias locais, senti-me pronto e cheio de energia para enfrentar as autoridades de fronteira da Rússia, pela terceira vez em viagens de moto assim, fui me aproximando do posto que reúne, de um lado as autoridades Norueguesas e, do outro, as autoridades sóbrias e restritas da Federação Russa.

A parte mais divertida de entrar na Rússia é quando eles perguntam pelo visto...

Aí quando você diz que brasileiro não precisa de visto, eles não se convencem... Ficam procurando em papéis, pois no computador não é suficiente. Acaba por ser um divertido jogo de paciência em que já conheço o final. Eles acabam por colocar o carimbo no passaporte e te dar uma boa viagem, é tudo uma questão de tempo.

Em seguida, deve-se proceder ao processo de importação temporária da motocicleta.

A agente da aduana, em vez de ler "véhicule" no certificado de propriedade francês, leu Venezuela e me perguntava se a moto era da Venezuela....

Foi duro de entender o por quê da Venezuela ter entrado na conversa...

Uma vez terminadas as formalidades, tive acesso a um setor altamente militarizado da fronteira Russa e, portanto, você deve passar por vários "check points" e novamente mostrar seu passaporte. Aí, você vê o russo folheando o passaporte do início pro fim, do fim pro início.... E o visto?!

Mesmo assim, apesar dos percalços divertidos, Apenas 200 km de uma boa estrada me separam de Murmansk, cidade resistente, valorosa e grande base militar soviética.

Durante a segunda guerra, os alemães tentaram sem sucesso se apoderar deste porto, fundamental para o abastecimento pelo Ártico dos suprimentos necessários à URSS para manter o esforço de guerra.

Como complemento, percebo que o GPS não funciona na Rússia, vou ter que navegar à "moda antiga".

Com um hotelzinho reservado, vejo dois adolescentes de moto na entrada da cidade. Pergunto a eles sobre o endereço e eles se prontificam a me acompanhar. Fazem o gesto de segui-los e deixam-me na porta de meu hotel. Pedem para fazer uma foto comigo e se despedem felizes e eu, agradecido.

Murmansk é uma típica cidade russa onde a arquitetura soviética, bastante delabrada, ainda predomina.
Suas vias são largas, limpas e as pessoas estão aproveitando um magnífico domingo de verão em família, entre amigos, de maneira plácida e tranqüila enquanto o terrível inverno não chega.

Ajuda muito na primeira impressão o fato de que temos um dia de sol lindo e temperatura entorno dos 25 graus.

Só me resta deixar a moto no hotel e sair para uma longa caminhada e, com um pouco de sorte, saborear uma cervejinha gelada em um café da cidade.

Amanhã, estarei indo para o sul, e cruzarei a fronteira novamente, desta vez para a Finlândia, onde espero percorrer durante uns 3 dias a região da Lapônia, terra do Papai Noel que, nesta época do ano deve estar, como todos os finlandeses, de férias nas Ilhas Canarias.

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6 de agosto

Sair da Noruega para a Rússia e voltar para a Finlândia em apenas dois dias, é algo como sair de um mundo organizado, harmônico e civilizado, para entrar em um planeta onde o individualismo, a desordem e a luta pela sobrevivência impõem suas marcas. Lembra-me sempre o cenário de Mad Max.

É bastante chocante ver dois sistemas tão opostos convivendo lado a lado.

De uma parte, as livres e democráticas sociais democracias nórdicas, com seu povo disciplinado e extremamente ordeiro. Do outro, um regime repressivo e totalitário em um capitalismo selvagem que se sedimenta de um regime comunista sectário e falido por sua própria incompetência.

A brecha entre esses sistemas é enorme e isso se nota no cotidiano.

Um dos aspectos curiosos é a maneira de circular com os veículos.

A Rússia é um lugar extremamente perigoso para quem circula de carro e, sobretudo de motocicleta.
As regras de trânsito são bastante aleatórias.

Um dos grandes perigos são as rotatórias onde quem entra tem prioridade.

Tipo o Arco do Triunfo, em Paris.

Nesse clima, fui deixando Murmansk mais arisco que cachorro em canoa.....

Tomei a estrada para o sul na Península de Kula.

Tinha 400 km para percorrer antes de chegar à fronteira com a Lapônia Finlandesa.

Já na saída, um dos problemas de conduzir na Rússia: a falta de sinalização. Como meu GPS não funciona, coloquei a bússola na telinha e fui me orientando para o sul, seguindo as escassas placas que indicavam São Petersburgo.

Murmansk fica a mais de 1300 km ao Norte de São Petersburgo que, por sua vez, fica a mais de 1000 km ao Norte de Moscou, que já está bem ao norte em relação ao resto da Europa.... Só prá dar uma idéia de onde estou...

Voltando às placas de sinalização, todas estarão escritas em cirílico, que eu consigo, por ter estudado 6 meses de russo, interpretar.

Mas há algumas delas com tamanha sopa de letrinhas que dão a impressão que alguém estava bêbado ao dar o nome do lugar (ver foto).

Finalmente, consigo chegar à estrada que leva a São Petersburgo, uma pista moderna, recém construída e que está limitada a 80 km/h.

Serão 300 km de tédio, pensei eu. Nada a fazer, ajustei o controle de velocidade da moto para 80, e passei a pensar na vida, enquanto escutava a minha música.

De repente, vejo uma SUV passar por mim, no mínimo, a 150! E outra, e outra... Sou o único que está rodando no limite da estrada!

Subo para 95 km/h e sou apanhado no radar da polícia. Bem, tive sorte, desta vez. Saí somente com uma advertência graças à impenetrável barreira da língua.

Fiquei pensando, como fazem os outros?

Passo então por um setor industrial onde TUDO está poluído. Sente-se o cheiro químico no ar, as chaminés do complexo jogam visivelmente na atmosfera produtos que não deveriam sair sem ser filtrados. A vegetação e a terra por quilômetros ao redor dessa indústria está queimada e desertificada.

Já vi esse tipo de poluição em outras regiões da Rússia.

O que seria da camada de ozônio senão fosse este país?

Fico contente em saber que estou apenas de passagem. Fico atento para fotografar algum morador local caso ele tenha quatro braços...

Em ritmo de tartaruguinha, vou chegando à interseção para a estrada secundária que me levará a Salla, na fronteira com a Finlândia. Historicamente, os finlandeses, (desde o tempo que que pertenciam à Suécia, inimiga natural da Rússia Tzarista), tem tido conflitos com o grande vizinho.

Em 1940, a União Soviética invadiu a Finlândia no que se chamou a Guerra de Inverno.

Apesar da resistência heróica dos finlandeses, a URSS de Stalin conseguiu abocanhar 20% do território deste pequeno país nórdico.

Com a invasão da Rússia pelos nazistas em 1941, a Finlândia aliou-se à Alemanha contra o enemigo comum, na tentativa de recuperar seu território perdido.

Não somente isso foi impossível, como a Finlândia foi obrigada no decorrer da guerra a mudar de lado e juntar-se aos aliados, pois corria o risco de, após a derrota da Alemanha, ser totalmente anexada à União Soviética.

A Finlândia permaneceu como um dos dois únicos países ocidentais, junto com a Noruega, a ter fronteira direta com a URSS.

A linha de fronteira vai desde o limite norte onde estou, até o mar Báltico.

Fortemente guarnecida durante o período da guerra fria, hoje ela está bem mais relaxada mas continua sendo uma fronteira entre dois povos que se detestam.

Assim, com todos este elementos históricos em mente, percebo que a estrada que me conduz a fronteira não é asfaltada.

Vou levando a GS carregada por uma despovoada e irritante estrada de cascalho duro que faz essa pesada moto dançar e deslizar como se fosse uma mobilete.

A poucos quilômetros da fronteira começam a se suceder os postos de controle do exército russo.

São portões colocados no meio da estrada onde você é obrigado a parar e esperar que o soldadinho venha preguiçosamente verificar seu passaporte e abrir o portão.

Pelo estado da pista, e a má vontade, imagino o número de veículos eles devem ter por aqui diariamente.

Chego finalmente ao limite territorial da Rússia. Posto de Fronteira.

Os 80 km de pista ruim não foram nada comparados com o que eu iria passar com o agente de polícia russo:

Ele pega meu passaporte, vê a capa e afirma, quase perguntando,
Brasil!?
Faço sinal afirmativo com a cabeça e ele arremata com quatro palavras, rindo:
Brazil, Germany, World Cup, CATASTRÓFE! ( assim, com o acento no ó).
Melhor ouvir isso, do que ser surdo...

Acho que vamos escutar isso ainda muitas vezes por esse mundo afora quando mostrarmos o nosso passaporte...

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7 de agosto

Há quatro dias venho percorrendo um país de uma paz e tranqüilidade extraordinárias. Sair da caótica Rússia para entrar em um lugar onde a tradição e a cultura convivem com a mais desenvolvida tecnologia para, de forma comunitária e democrática, dar conforto, educação e saúde a seus habitantes.
SUOMI, seu nome original e em finlandês, quer dizer "Terra dos Mil Lagos".

Algum estrangeiro a batizou de Finland (Terra das Barbatanas), talvez uma alusão à pesca e ao consumo de peixe, base da alimentação local.

Os mil lagos não é um exagero. Eles existem em todas as formas, paisagens e profundidades. Todos, com algo estritamente em comum: a limpeza, claridade de suas águas, totalmente potáveis e sua preservação como área natural.

Sendo assim, quando se viaja pela Terra das Barbatanas, você deve tomar como prioridade a vida ao ar livre e a alegria e prazer de respirar o ar de suas florestas e espaços verdes.

Apaguei a hospedagem em hotel de meus registros de memória e decidi partir para alguns dias de vida ao ar livre, acampando e curtindo o que este país tem de melhor, sua natureza, além de sua gente pacata e de fala mansa, pausada, como se o tempo fosse totalmente de sua propriedade.

O que na realidade aconteceu, uma vez que eu decidi acampar, foi que no primeiro camping, a linha de frente para o maravilhoso lago de águas profundamente cristalinas e uma cor de ametista, era dada às cabanas de troncos alugadas aos turistas para o verão. Não tive dúvida, em vez de armar a pequena barraca, parti para o aluguel de uma linda cabana no país das florestas e lagos.

Em SUOMI, faça como os finlandeses, pensei eu. Aluguei portanto, um lugar de frente para o lago, coloquei lenha na sauna, e me entreguei ao saudável ritual de purificação pelo calor deste corpo maltratado pelos sucessivos quilômetros em lombo de moto, nos últimos e intensos 15 dias.

Foram cerca de duas horas de tranqüilidade e relax entre banhos em um lago de água fresca seguidos de curtas permanências em uma sauna a 90 graus de temperatura.

Essa tradição permanece na cultura finlandesa de forma arraigada e constante, seja qual for a geração.

Todos , sem exceção, tem uma sauna em casa, assim como os franceses tem uma cave para vinhos e no Brasil, temos as dependências de empregada...

O mais extraordinário desse momento especial, é estar ainda dentro do Círculo Polar Ártico e poder permanecer do lado de fora da cabana, sem camisa, até perto das 23 hs.

Retomei no dia seguinte a estrada para perceber que a paisagem é irritantemente harmônica, uniforme, constante e entediante.

As estradas são, como se pode imaginar, impecáveis.

Porém, existe uma monotonia de paisagem que se transforma em tédio para o viajante.

As estradas são bastante retas, sempre rodeadas de florestas de pinhos e coníferas, intercaladas de lagos e fazendas.

Ao final de duas horas comecei a bocejar perigosamente. O que me mantinha acordado era a presença de renas na pista a cada dois ou três quilômetros. Sinceramente, não sei o que esses pacatos animais, em constante estado de embriaguez, fazem sobre o asfalto. Uma das teorias, criada por mim, seria que depois de passar todo o inverno em um frio de -30 graus, elas devem ter algo de prazer em esquentar seus pézinhos no asfalto em um dia de verão...

A sauna e o lago, além de uma excelente noite de sono em uma tranqüila cabana de Madeira faziam seguramente seus efeitos.

Lembrei-me que os Pilotos de Rallye da Finlândia contam entre os melhores do mundo. Isso quer dizer que existe uma rede de estradas não pavimentadas neste país.

Fiz uma parada para o remédio imediato ao meu sono, um café, e dei uma estudada detalhada em meu mapa rodoviário da Finlândia.

Efetivamente, percebi que poderia cruzar o país de Norte (onde me encontrava) a sul, sem praticamente ter que utilizar as estradas asfaltadas.

A excitação de um velho piloto de competição amadora de Enduro nos anos 80 retornou de imediato. Ainda no ano passado, fiz quase 4000 km de pistas na Islândia e foi uma maravilha.

Nessa mesma noite, mais uma vez hospedado em uma cabana em um camping não tão discreto e tranquilo, passei a marcar no mapa meu roteiro para os próximos dias.

Não me arrependi. Estou percorrendo estradas de uma sinuosidade espetacular, que foram construídas seguindo a ondulação do terreno, o que, para a minha moto e para mim, é um prazer constante e sem fim.

Não tenho visto as horas passar, são já quase 1000 kms de pistas onde a exigência de concentração é equivalente ao nível de prazer que essa pilotagem proporciona.

Estou, neste momento em uma pequena cidadezinha junto a Jyvaskula, uma das maiores cidades da Finlândia, depois de Helsinque, a capital.

Hoje será meu ultimo dia.

Restam 400 km para chegar a Helsinque e ali, encontrar-me com um grande e velho amigo, Norton Rapesta, há alguns anos, residente nessa capital.

Tenho certeza que o dia de hoje, abençoado por mais um dia de sol e temperaturas perto dos 30 graus, uma constante nesta extraordinária viagem se levarmos em conta as latitudes por onde percorri, será como todos os outros neste pacífico país nórdico, de muita adrenalina e prazer na conduta de minha moto.

Vamos lá, hoje o jantar é em Helsinque acompanhado de um querido e velho amigo. Bom isso, né?

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11 de agosto

Acabo de chegar à minha casa. Foram 8000 km em 15 dias. Um pouco mais de 500 km por dia. O consumo foi de 20 km por litro, ou seja, 400 litros de combustível a uma velocidade média de 77 km/h.
Passei um pouco mais de 100 horas sobre a moto, ao longo de 9 países.

Foram paisagens inesquecíveis, um clima totalmente atípico para as latitudes que percorri. Tive muita, muita sorte com o tempo. De 15 dias, apanhei apenas UM de chuva. não é ideal?

São, mais uma vez, férias que se terminam com os objetivos principais de curtir e descansar, completamente atingidos.

Como bônus, tive a companhia e o carinho de meus amigos que acompanharam este novo passeio.
Agora, é importante pensar no próximo.

Um beijo a todos!

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Comentários (9)

2/2/2017 23:38:01
YPPCWI7LQ
Thats a genuinely imsserpive answer.
 
10/11/2016 06:51:19
1
1
 
10/11/2016 06:51:16
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10/11/2016 06:50:50
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10/11/2016 06:50:08
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28/6/2016 15:43:37
A5RG9ZOC8
Brcliianle for free; your parents must be a sweetheart and a certified genius.
 
30/9/2015 16:58:45
ROBERTO SARAIVA DA SILVA
Viagem maravilhosa. Parabéns!
Abraço.
 
21/9/2014 05:30:44
HENRIK AND CLAUDIA FRETZ
Hello Ricardo
We are now back from 2 weeks Scotland, a place you also would love to ride. Less Gravelroads but very nice Singel Track Roads. Even we dont understand what you are writing, the pictures tells us the hole story! All the best on your trips!

Friendly Greetings from Switzerland
Henrik and Claudia
 
28/8/2014 10:25:18
ZOROASTRO DA SILVA
Caro Amigo Magro, você além de ser um grande aventureiro que gosta de curtir bem a vida, também é um excelente escritor. Não deixe passar a oportunidade de você escrever um livro com as suas aventuras. Excelente o seu relato! Um forte abraço meu amigo.
 

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