UM BRASIL DE MUITAS FACES
Nesta recente viagem pelo Estado de Minas Gerais passei por uma área rural do município de Lagoa Santa e casualmente conheci o escultor Celso Vieira, 69 anos.
Ao parar a motocicleta em frente a uma contrução para fazer umas fotos da arquitetura daquela região do interior de Minas Gerais, repentinamente ouvi um barulho de forma cadenciada, típico de alguém cortando lenha. Achei que ao flagrar o lenhador no seu trabalho, faria boas fotografias.
Fui andando lentamente seguindo em direção de onde partia aquela batida que ecoava e passei por uma porta que me levava a um quintal ao lado daquela casa. Bem na entrada da parte interna, uma árvore com o seu troco exótico já anunciava que algo diferente ali existia.
Segui a minha intuição e caminhava, e aquelas batidas secas na madeira iam se aproximandoContra luz vi um homem cortando um pedaço de tronco de árvore com o seu machado. Até ali percebi que ainda não tinha sido notado. Não pude resistir, e mesmo contra a luz fiz a minha primeira fotografia naquele espaço.
Quando me aproximava lentamente, podia ver que se tratava de um senhor com cabelos compridos e rabo de cavalo, que a cada seção de golpes com o seu machado fazia uma breve parada, e olhando de forma totalmente envolvida com aquele pedaço de tronco, passava as mãos sobre os talhos na madeira, e da mesma forma que removia os fragmentos soltos, com aquelas mesmas mãos parecia acariciar aquele velho tronco em um tom de admiração, passando a sensação de que se desculpava com aquele pedaço de tronco que um dia já foi uma árvore.
E já bem mais próximo deste senhor, pude ver que não era um lenhador, mas sim um artista, um escultor.
Ele percebeu a minha presença, me olhou por alguns segundos, acenou com a cabeça como te se tivesse me dando boas-vindas e retomou calmamente o seu trabalho. Senti claramente naquele momento que este senhor não se importava em eu estar ali.
Me acomodei sentando-me no chão, e ali mesmo naquela posição, comecei a registrar todo aquele ritual com minha máquina fotográfica.
Aos poucos aquele tronco ia ganhando forma. Um rosto, mas ainda não havia semelhança com alguém específico que eu pudesse associar.
Este senhor desceu de uma pequena bancada aonde prendia aquele tronco que estava sendo esculpido preso por cordas, e veio ao meu encontro.
Se sentou a uns três metros de onde estava, me deu um bom dia, e ainda olhando para tronco que ali esculpia, sem olhar diretamente para minha pessoa disse em um tom de voz muito tranquilo que a “natureza é eterna, mesmo que ganhe outras formas”...
Já podia perceber que além do seu dom artístico, aquele momento para este senhor era como se estivesse compondo alguma música clássica.
Depois de poucos minutos ele já olhava diretamente para minha pessoa, pergunta de onde eu era e me ofereceu um café. Fiquei ali parado observando o que havia ao meu redor onde havia uma bancada com várias ferramentas. Em poucos minutos este senhor voltou com um bule e duas xícaras de louça, sentou-se a minha frente e me serviu um café, aquele bem característico de Minas Gerais, feito no coador de pano e já adoçado.
Ali me apresentei e disse o quanto achei fantástico todo aquele ritual, e este senhor também se apresentou e me contou parte da sua história.
Celso Vieira, 69 anos, nascido e criado em Lagoa Santa, sempre trabalhou com madeira fabricando artesanalmente móveis em estilo rústico. E sempre nas suas horas vagas, Celso se distraía dando formas nas madeiras que sobravam.
E o tempo foi passando e o escultor começou a dedicar-se mais ao seu dom. Atualmente Celso já é reconhecido pelas suas obras, e em especial pelas proporções gigantescas. Da madeira, ele é capaz de extrair formas inacreditáveis, com detalhes minuciosos e com ferramentas simples e rudimentares.
Já há muito dos seus trabalhos espalhados no Brasil e no exterior e na cidade de Lagoa Santa uma obra sua que atraí turistas e compradores, é a do Cristo com mais de 5 metros de altura.
Uma de suas obras foi comprada pelo cônsul dinamarquês, uma escultura de Peter Lund esculpida em madeira de pequi. O cônsul assumiu o compromisso de levar Celso para Copenhague, no final de 2012, para uma cerimônia da entrega oficial da escultura ao patrimônio do Museu da Dinamarca.
Depois de me contar estas passagens da sua relação com a arte de esculpir, Celso me pede licença para retomar o seu trabalho, mas que caso quisesse, que poderia ficar a vontade por ali.
Celso se despediu agradecendo a minha presença a sua casa, retomou o seu machado e se posicionou como o encontrei quando ali cheguei.
Fiquei ali sentado por mais algum tempo fotografando, e até então aquele rosto que estava sendo esculpido, sem que no início eu sequer tivesse noção da sua representatividade, já apresentava as expressões de Tiradentes.
Parabéns Celso!
Que Deus ilumine a cada segundo a sua inspiração, e que suas mãos possam deixar entalhadas as suas obras, para que a sua história seja eternizada através do tempo.
Este Brasil é mágico! Conheça você também um pouco mais da nossa terra!
Um abraço a todos.
Eduardo Wermelinger
Comentários (16)
8/6/2017 12:06:45
NETE BOULHOSA
Eduardo quanto vejo tuas fotos e te leio, já imagino um livro com essas fotos e lindos textos.
11/9/2014 10:33:47
DESIRÉE PRADATZKY
Fico impressionada com a capacidade dessas pessoas, que conseguem criar uma obra tão bonita a partir de algo que provavelmente seria descartado. Parabéns pela reportagem.
23/6/2014 19:18:19
TERESINHA
Lindo isso Eduardo. O fantástico da vida são estas surpresas.
Saúde e sorte Gurizão . Boa viagem sempre. Um grande abraço
30/12/2011 19:49:29
LUCIANO LISBOA
Cara, demais! Conheci o Celso lá em Ouro Preto. O trabalho dele é algo impressionante.
Edu, valeu por mais essa. E vc sempre de moto descobrindo estas preciosidades.
Abs
Luciano
28/11/2011 14:33:11
VAL PESCE
Que lindo!
Vivendo com poesia...
Enaltecendo a arte, fotografia...
Obrigada, Edu! Por nos tocar a todos com essa sua paixão!
Boa viageeeem!
Quero lindas fotos e lindas histórias...rsrs #Mimada ;D
bjinhos
28/11/2011 09:53:33
HARRY FRANÇÓIA
Fantástica a história do Celso Vieira que, como bom miniero, deve ter falado com Vc Eduardo, muitas histórias da sua terra.
Parabens também Vc que o encontrou numa fase interessante.
Agradeço por compartilhar tão bela façacha a bordo da égua de aço mais adorada pelos BMWistas de todo o mundo.
Harry Françóia - Curitiba - PR.
28/11/2011 09:42:02
MARCIO ALVES ROBERTO
Eduardo, muito legal como vc consegue descobrir locais e pessoas aonde outras pessoas já passaram, mas nada viram. É um talento seu. Parabéns pelo relato! Grande abraço!
27/11/2011 21:41:49
JULIO MENANDRO
Já tive a oportunidade de conhecer o trabalho do Celso lá em Ouro Preto/MG. Haviam várias esculturas de personalidades brasileiras, uma canoa toda entalhada entre outros expostos.
O mais interessante, é que o Sr. Celso ao dar o preço as suas esculturas, sempre dizia que nada custavam, o que somente venderia poesias, e quem quem comprasse algum dos seus poemas, levaria algum do seu trabalho de brinde.
Eduardo, muito legal trazer este conhecimento aqui no Rotaway, mas se explorasse um pouquinho mais, poderia ter-se atentato ao lado poético do Sr. Celso, um verdadeiro artista.
Abraços.
Menandro
27/11/2011 18:40:13
JORGE CANCELLA
Caro amigo Eduardo,
você é um caboclo abençoado; pois nas suas andanças sempre encontra "tesouros" simples do cotidiano e os transforma em "preciosidades" conforme seus relatos. Só pessoas iluminadas e sensíveis é que tem este sentimento e atitudes; parabéns companheiro. Aguardo a próxima!
27/11/2011 17:59:14
LEONARDO COUTO
Nossa! Incrível este relato. Isso mostra que em um cantinho qualquer pode esconder uma bela história.
Parabéns Eduardo, pela sensibilidade e atenção a oportunidade.
27/11/2011 14:56:10
PAULO CANIBAL
Com toda a certeza meu Nobre Irmão Motociclista Eduardo, esse nosso Brasil tem em suas Regiões suas particulariedades impares. Que só quem se predispoe a viajar e principalmente em Duas Rodas, sabe e convive com um povo hospitaleiro e lugares maravilhosos.
27/11/2011 14:08:54
TÂNIA PENNA
Fantástica esta divulgação! Eduardo, embora eu não ande moto, vejo o quanto você e os seus demais amigos nos trazem de informação deste nosso belíssimo Brasil.
Temos um amigo em comum que também trabalha na TV Cultura, o Rossete, que sempre fala das suas publicações.
Parabéns.
27/11/2011 13:52:00
LEANDRO BEZERRA DE MENEZES
Para seu conhecimento, em Copenhagem, foi lançado um selo comemorativo a Peter Wilhelm Lund. E neste selo, se faz menção a homenagem prestada pelo artista mineiro Celso Vieira.
Eduardo, parabéns por divulgar, como você bem disse, a nossa diversidade cultural.
Quero aproveitar e desejar-lhe uma excelente viagem pelos países no sul do continente africano.
Abraços e boa sorte.
27/11/2011 13:28:21
OTAVIO ARAUJO GUGU
Eduardo,
Viajando por esse nosso estupendo país, precisamos seguir seu exemplo e conhecer a fundo cada local visitado, transitar por estradas secundárias, vicinais, descobrindo no trajeto pessoas diferentes das que estamos acostumados nas grandes cidades, esse é o Brasil real, limpo.
Como o Celso Viera existem centenas espalhados por nosso imenso país. Cabe a nós fazer viagens mais "profundas" e menos objetivas e rápidas com destino certo e dia de retorno marcado.
Parabéns meu amigo, imagino o que vai nos trazer da África do Sul, aguardamos ansiosos lhe desejando uma viagem inesquecível, perfeita na companhia do Marcelo. Mantenha-nos informados e aceitem meu fraterno moto abraço, Gugu Taubaté /SP
27/11/2011 13:24:55
MANOEL MOURA
Essa é uma experiência que só pode ser vivida por quem sai para viajar sem compromisso com relógio nem com quilometragem. Por aqueles que estão mais interessados em ouvir do que em falar.
Grande Abraço,
Manoel
27/11/2011 12:50:48
LÚCIO SIQUEIRA
Belo relato e fotos !
Esse Brasil, de dimensões continentais, guarda muitas surpresas para quem se dispõe a botar o pé na estrada.
Grande Abraço.