De Gelendzik (Rússia) para Yalta (Ucrânia)
29 de maio de 2011
O lugar que decidi fechar o dia para pernoite é Gelendzik, uma animada cidadezinha de veraneio para as elites russas, com seu passeio ao longo da praia e seus jardins bem organizados de onde se notam belas fontes de água e uma limpeza irretocável. Bem que poderia ser a frente de mar de Fort Lauderdale, Atlantic City, ou qualquer outro lugar nos Estados Unidos.
A única diferença seria o tamanho dos hotéis de veraneio (construídos no período socialista, são enormes!) e, obviamente a música russa que é tocada em cada um dos restaurantes em um volume exageradamente alto.
Jantei animado por música pop russa entretanto, decidi ir dormir relativamente cedo pois teria o dia seguinte bastante cheio.
Quando você, vindo pela Rússia, se aproxima da Criméia esta península mítica no Mar Negro, objeto de tanta cobiça por parte de Romanos, Bizantinos, Otomanos, Russos e, mais recentemente, Ingleses, a primeira coisa que vai perceber é o vento. Forte, constante, lembra aquele vento da Patagônia que te obriga a fazer curvas de 50 kms de distância, sabe?
Em seguida, você percebe os vinhedos e logo após, a maravilhosa paisagem.
Fui chegando à Criméia pela faixa de terra Russa que leva ao estreito de Kerch, uma passagem estreita entre o mar de Azov e o Mar Negro.
Devo dizer que fiquei impressionado de ver o desenvolvimento da Rússia desde que estive com a Graça, minha mulher em outra viagem de moto em torno do Mar Báltico, passando por São Petersburgo, em 2005.
As velhas construções da época Soviética que estavam caindo aos pedaços vão sendo substituídas por modernos edifícios e casas de estilo ocidental.
A livre iniciativa é evidente e, o gosto pelo consumo é absolutamente presente, quase uma religião para os russos de hoje. A pergunta sobre a moto é sempre: Quanto custa?
Há entretanto, duas coisas que não mudaram na Rússia moderna ,em relação àquele “paquiderme lento e engessado”que era a União Soviética: A burocracia e a corrupção na polícia.
Pela boa estrada que me levava à fronteira Russa, num belo domingo de sol, fui apreciando os muitos quilômetros de vinhedos recém plantados e não pude deixar de refletir que até poucos anos atrás, todo o vinho consumido na Rússia e nos países do CIS, era produzido pela Geórgia.
Hoje, com as relações políticas e econômicas cortadas com o pequeno vizinho no sul , a Rússia se organiza para produzir seu próprio vinho e, haja visto a extensão do cultivo, o projeto é absolutamente ambicioso, enorme.
Cheguei à barreira da fronteira russa.
Aqui, em um povoado de nome impronunciável, devo tomar uma balsa que, em meia hora me levará a Kerch, do lado Ucraniano.
Deixo a moto aos cuidados de um casal no primeiro carro da fila e vou ao interior do edifício para comprar a passagem da balsa.
Para dar a idéia do procedimento de saída na burocracia russa, mesmo correndo o risco de ficar um pouco chato, vou reproduzir aqui o mail que mandei a Cláudio, um de meus amigos italianos que deveria passar com o grupo um pouco mais tarde nesse mesmo dia:
“Quando você chegar à barreira para automóveis na fronteira, procure por um senhor de uniforme azul que preencherá um “cupom” com o tipo e dimensões da moto.
Ele se encontra à esquerda da fila de carros, em uma casinha azul.
Depois de preencher o cupom, vá com ele ao escritório de venda de bilhetes, apresente esse mesmo cupom e compre a passagem, que só pode ser paga em Rublos.
Volte para a moto e, quando a barreira se abrir, vá para o lado esquerdo do edifício onde você terá que passar em uma pequena janela para o primeiro controle de passaportes.
Passe o primeiro portão e, à esquerda você devera ir a um guichê, (que curiosamente fica na altura de seus joelhos e, portanto para falar com a moça dentro você precisa se ajoelhar...) e ela pedirá o formulário que recebemos na entrada da Rússia para a legalização da moto. Além de cancelar o formulário de entrada, preencherá outro, em russo, que você vai assinar e novamente, fará fotocópias de seu passaporte e do documento de propriedade da moto.
Uma vez terminada essa etapa, ela lhe entregará uma senha com um número, que você deverá passar ao agente de polícia uns 10 metros mais adiante.
Em seguida, um policial acompanhado de um simpático Cocker Spaniel virá cheirar sua bagagem e moto. (O Cocker vai cheirar, não o agente russo.)
Isto, para ver se você não carrega drogas ou explosivos.
Na seqüência, vem o agente de aduanas para fuçar dentro dos bagageiros da moto e ver se você não leva algum tipo de tesouro russo que não pode deixar o país.
No meu caso, ele encontrou um tesouro de roupa suja.
Agora, vem o controle de passaporte para o carimbo de saída. Aqui, o problema que eu não tive na entrada pela isenção de visto para brasileiros, se torna um problema na saída pois eles não dispunham da lista de países que são isentos de visto.
Imagine o número de brasileiros que passam por este fim de mundo a cada ano.... Provavelmente sou o único na história...
A cópia do acordo, em Russo e em Inglês, entre o Governo do Brasil e o Governo da Federação Russa que gentilmente me foi cedida pela Embaixada do Brasil em Moscou, com a intervenção de amigos comuns, serviu para informá-los que este motociclista em questão não tinha entrado ilegalmente no país.
Finalmente sou liberado e, após um novo controle feito pelo chefe de todos eles para saber se todos os carimbos estavam no lugar certo, passo o portão final e posso embarcar no pequeno navio que me levará `Ucrânia.
Simples, né? Sobretudo quando todas essas discussões ou instruções são dadas em russo e ninguém fala palavra de nenhuma outra língua. Ufa!
A travessia do estreito foi simpática com muita gente rodeando a moto para examiná-la e perguntando de onde eu venho. Quando dizia que era do Brasil, expressões de admiração e simpatia se registravam rapidamente nos olhares tristes deste povo do norte.
Eduardo Wermelinger tem razão: É muito bom ser brasileiro. (Adorei o vídeo dele com a bandeirinha e o hino do Brasil em rock!!!)
O procedimento de imigração e alfândega do lado Ucraniano foi um pouco mais simpático porém igualmente demorado.
Aparentemente, quando chegamos, os agentes de imigração tinham saído para almoçar .
Achei que isso só acontecesse na França...
Aqui, tive um problema curioso: Por não precisar de visto, usei meu passaporte brasileiro na Rússia.
Na Ucrânia, é mais conveniente usar meu passaporte espanhol pela mesma razão. Bem, obviamente o agente não achava os carimbos russos no meu passaporte espanhol.
Ele perguntou se eu tinha um outro passaporte. Confirmei que tinha duas nacionalidades, passei a ele o passaporte brasileiro para que ele se certificasse que eu estava vindo da Rússia, e o assunto foi resolvido.
Quatro horas após o início deste cansativo processo, morto de sede e fome, fui finalmente liberado para rodar com minha fiel BM pelas estradinhas irregulares que definem as belas paisagens da Península da Criméia.
Os 350 kms que me separavam de Yalta seriam o passeio do dia.
Andei uns 100 kms e parei para almoçar em um pequeno restaurante na beira da estrada.
A comunicação foi impossível. Como ele não tinha Menu, fiz sinal que queria comer e pedi que ele trouxesse qualquer coisa. Veio “borsch” uma sopa de origem russa onde vai de tudo dentro. Contendo beterraba, ela tem uma cor avermelhada. É, entretanto, nutritiva e serviu perfeitamente para matar a fome que eu tinha.
Nos 250 kms que me separavam de Yalta, escolhi tomar a estrada de costa através das montanhas.
De maneira geral, a Península da Criméia é plana exceto na região sudeste onde se encontra uma bela cadeia de montanhas.
Levando a moto com cuidado pois já estava um pouco cansado e, para completar o quadro, começou a chover, fui avançando em direção à bela cidade de Yalta, onde cheguei em torno das 18 horas, após ter sido parado pela polícia por excesso de velocidade.
A policia Ucraniana tem um grande senso de previdência social. Eles te param, ameaçam que vão te multar e, se você negociar, eles recebem um dinheiro que, seguramente, irá para o “Fundo Ucraniano de Corrupção de Policiais (FUC Police).
No meu caso, não deu muito certo. Vai faltar no fundo de pensão deste mês.
Na próxima eu conto sobre essa turma que se dedica a caçar estrangeiros para “criar o problema e vender a solução”.