Perseguindo o Amanhecer - Ricardo Lugris

31/08/2015 - Entrada da Mongólia

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Nunca pensei que um simples comprimido de Paracetamol pudesse me ajudar a fazer uma passagem recorde de fronteira.
Pois foi exatamente o que me aconteceu na entrada da Mongólia, vindo da "Mother Russia".
Meus amigos brasileiros na Rússia, tinham já me alertado da particular morosidade no processo dessa fronteira.
É uma daquelas em que os oficiais tem que abrir o portão do país para você entrar.
Em seguida, começa a disputa com caminhoneiros e outros elementos viajantes pelo espaço no guichê do único agente trabalhando para poder registrar a entrada do seu veículo.
Fila, nem pensar!
Um vez feito isso, com um certo sucesso graças a meu tamanho, fui fazer a imigração e peguei o segundo dos quatro carimbos necessários em uma folhinha de papel e fiquei aguardando a oficial de alfâdega para verificar o conteúdo de minha bagagem.
Com o calor, a jovem mongol não parecia muito motivada a abrir minhas valises, fez um gesto vago com a mão e colocou o terceiro carimbinho no meu "álbum de figurinhas"...
Já o quarto carimbo, era um pouco como aquelas "figurinhas premiadas" que ninguém jamais via quando fazíamos álbuns em nossa infância, lembram?
Veio, por sua vez, um oficial muito elegante, com um monte de estrelas nos ombros e pediu que eu o seguisse.
Tentei argumentar que a sua colega já tinha autorizado a minha liberação.
Ele virou - se, e calma e pausadamente disse, em um bom inglês:
O chefe aqui sou eu. EU digo quando o senhor estará liberado.
Por agora, ainda não está.
Sem argumento de minha parte. Não sou bobo.
Sou, então, cordialmente convidado a sentar-me em seu escritório e aguardo os acontecimentos, enquanto me distraio analisando a peculiar decoração da sala, com fotos de paisagens da Mongólia, um tapete de muitas cores e um vaso de flores plásticas, além das costumeiras manchas nas paredes e no teto, inerentes a qualquer repartição pública em qualquer lugar do mundo.
Ele puxa um formulário e faz, um gesto inconsciente com o índice e o polegar apertando o alto do nariz entre os olhos, acompanhado de uma expressão de dor.
Eu pergunto: Está com dor de cabeça?
Ele: Aquiesce com um movimento de cabeça, sem me olhar.
Eu digo: se o senhor quiser, tenho Doliprane na bagagem da moto.
Ele: Tem? Sim, seria ótimo.
Vou buscar os comprimidos na valise da moto e quando volto ele já tinha terminado de preencher o formulário e colocado o quarto carimbo mágico (o mais valioso) na minha tirinha de papel, a ser entregue no controle de saída.
Despediu-me com um sorriso, um agradecimento e um aperto de mão.
Eu, feliz, pois ele poupou - me uma eventual dor-de-cabeça.... se me permitem o trocadilho infame.
Antes de deixar a fronteira, compro moeda local, que tem um monte de zeros, (parece o Cruzeiro), e faço um seguro para circular com a moto na Mongólia que me custa 10 euros.
Sei que não vai servir para nada mas, em Roma, faça como os Romanos....
Pego a estrada e, finalmente vejo o primeiro país verdadeiramente fotogênico desde que saí de casa, há quatro semanas.
Durante todo esse tempo, venho tentando achar paisagens bonitas na Rússia.
Apesar do esforço deste fotógrafo itinerante e diletante, a Rússia não se presta muito para as fotos de paisagens. É de uma falta de charme atroz.
E, além do mais, estou na Mongólia, comemoro!
Repito isso por várias vezes na intimidade de meu capacete. Estou na Mongólia! Não é ao lado.
Qualquer motociclista de viagem tem consciência do valor simbólico deste nome.
São 11.000 km para chegar aqui, desde a França, através de países nem sempre fáceis ou descomplicados.
A Mongólia é certamente um país de um valor histórico e cultural fabuloso.
Suas estepes, montanhas e desertos, que voce precisa percorrer por pistas e estradas duras, confusas e, muitas vezes intermináveis que dão todo o charme e o fascínio desta antiga nação.
A partir do século XIII, quando a Europa ainda vivia as trevas da idade média, a Mongólia já se afirmava como um império que se estendia da Sibéria até a Hungria e que ameaçava duramente o império chinês.
A Muralha da China foi construída para tentar segurar a ameaça do Império Mongol.
Surge no século XIV o homem que construirá, a ferro e fogo, a grandeza, esplendor e fúria do Império Momgol:
Gengis Kahn.
Até hoje orgulho e referência para toda este povo jovem, atencioso, gentil e orgulhoso.
Seu vasto reino foi finalmente dividido entre seus quatro filhos, o que causou o seu inevitável ocaso e desaparecimento sob o domínio da velha rival, a China..
Ficou o mito e a reputação de ferocidade das hordas de Gengis Kahn. (Kahn, significa príncipe. )
A Mongólia foi então dominada pela China e depois pela URSS da qual ganhou sua independência em 1950.
Com a consolidação da democracia em 1990, o país vem crescendo e se modernizando graças à importantes jazidas de gás natural.
Aqui, o tradicional convive com o moderno.
A entrada em Ulaam Bator, a capital, é uma demonstração da revolução econômica e social que existe presentemente na Mongólia.
A circulação é quase impossível. Caótica, imprevisível e indisciplinada ao extremo.
Os automóveis, importados de segunda-mão no Japão, são todos com direção à direita mas o trânsito circula, também à direita, o que faz com que todas as ultrapassagens sejam feitas do lado oposto ao do motorista.
Confuso de explicar? Muito mais confuso de circular.
Preciso levar a moto até a pousada que reservei. Meu GPS não funciona na Mongólia.
Vejo um táxi, digo a ele que me guie.
Achei finalmente um, que não sai em disparada. Na verdade, sai lentamente, muito lentamente.
Consigo chegar à pousada Oasis, uma hora depois, extenuado pelos 600 km, pelo calor de 33 graus e pelo trânsito totalmente surrealista desta inquieta e pulsante metrópole.
O Hostal Oasis é lugar de encontro e de repouso para viajantes "overland" de passagem pela Mongólia. É um lugar obrigatório de passagem para quem pretende conhecer o mundo de carro ou de moto e este país acaba por ser inevitável.
Você pode ficar hospedado em seu próprio veículo, em alojamentos, ou em Yurts, a tradicional cabana circular de feltro dos nômades da Mongólia.
Optei pelo Yurt, que divido com um jovem motociclista suíço, visivelmente incomodado de perder sua exclusividade no amplo alojamento.
O conceito deste lugar é extraordinário.
Sua cafetería e jardim favorecem a conversa e a troca de experiências.
Em uma cidade caótica, Oasis, criado por um casal austro-alemao, oferece uma ilha de tranquilidade repouso para pessoas que em muitos casos, já estão na estrada há vários anos.
Facilidades como lavanderia, barbeiro e uma boa cozinha Européia são muito apreciadas dos que ali se hospedam.
Fiquei duas noites, o suficiente para uma visita ao centro da cidade, a um belo mosteiro budista e algumas horas de boas conversas com outros viajantes, entre elas com um jovem casal brasileiro, viajando com seu Land Rover há dois anos e meio.
Lugar charmoso e confortável, seguramente provoca a tentação de querer ficar alguns dias mais.
Porém, é importante saber resistir ao fascínio do do conforto e da acomodação. .
Parto na manhã seguinte até o deserto de Gobi, a 700 km de distancia. O Gobi é outro fantástico lugar que povoa a imaginação de motociclistas de longo curso como eu.
Com alguns desertos como o Sahara, Atacama, Karakoum e outros, no curriculum, o Gobi, é sem dúvida a "Figurinha Premiada" que eu vinha procurando há anos para ajudar a enriquecer meu álbum de motociclismo e, por que não, meu álbum de vida.

Ricardo Lugris
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