Perseguindo o Amanhecer - Ricardo Lugris

25/09/2015 - Sobre o mar do Japão

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Hoje chove.
Coincidentemente, havia escolhido um belo lugar para passar o dia descansando.
Dentro de dois dias deixarei este país extraordinário, cheio de impressões e experiências novas mas, assim mesmo, demasiado organizado para uma alma inquieta como eu.
Uma praia de areias brancas debruçada sobre o mar do Japão.
Um pequeno lugar com sua pousada tradicional japonesa, com ofurô, chá verde, cama sobre tatami, sem esquecer o travesseiro de casca de trigo sarraceno, uma particularidade e especialidade deste país.
Um feriado prolongado no Japão acaba de terminar.
O vilarejo, obviamente turístico, está vazio de seus visitantes e de seus moradores que devem ter aproveitado a folga para descansar.
Com chuva, um passeio solitário na praia é uma grande pedida. Também eu quero descansar um pouco.
Ali, fico tentado a utilizar a pequena piscina de água termal na praia, bem junto ao mar, pública, para quem quiser fazer uso dela, como muitas outras coisas neste interessante e supreendentemente país.
Estou completando hoje duas semanas no Japão.
Observei, descobri, aprendi e nem sempre apreciei, como é normal, em qualquer viagem a lugares insólitos.
O odômetro de minha moto acaba de chegar aos 60 mil km, nada mal para 15 meses de uso.
São 20 mil km desde o início desta viagem há quase dois meses e quase 4000 km no arquipélago japonês.
Chuva, praia deserta, tempo disponível e introspecção.
Parece-me um bom coquetel e um bom momento para fazer um balanço de toda esta iniciativa.
Por quê viajar, e por quê de moto?
Desde que me conheço como ser pensante, soube que o mundo era suficientemente vasto para que eu me oferecesse a certeza de querer visitá - lo, conhecê-lo, percorrê-lo.
Cresci em uma casa de cultura Européia, onde se falava outro idioma e onde se sonhava, por nostalgia e por saudades, com o outro lado do Atlântico.
As histórias de meus pais e de meus avós, eles sim, aventureiros, sobre seu país, fizeram de mim uma criatura ancorada entre dois mundos.
Como um barco, se você colocar duas âncoras, terá que dar a estas alguma flexibilidade para evitar o risco de romper um dos cabos, ou mesmo o barco.
Assim, apoiado em duas geografias e com suficiente flexibilidade, decidi há muito tempo fazer da viagem um dos pontos principais de minha existência, tanto no plano pessoal e familiar, quanto no plano profissional.
Talvez, seja eu, pura e simplesmente um vagabundo em potencial...Quem sabe?
A moto, é paixão muito antiga, desde que, sem sucesso, em minha adolescência verde e irresponsável, incomodava meu pai para que me presenteasse com uma pequena motocicleta de 100cc.
As duas rodas oferecem o contato com o lugar, com os elementos, com o frio, calor e chuva e, sobretudo, a moto favorece, acima de tudo, a proximidade com as pessoas.
Pequenos gestos animam teu dia em uma viagem de motocicleta: Um sorriso desde o automóvel ao lado, na estrada, uma criança que te acena, uma senhora que se surpreende com o tamanho da moto e, sempre aquela pequena e agradável conversa com pessoas mais ousadas em sua ingênua e positiva curiosidade a respeito da moto ou de você.
Assim, aproveitando um momento de transição profissional, onde a reflexão se fazia necessária para poder entender o antes e poder aceitar o depois e, após quase dois meses de viagem, chego à conclusão filosófica que o mais importante é o AGORA!
Já que passado e futuro só existem quando você os percebe na sua forma presente. Simples, né?
Em uma viagem longa de moto, sem maiores roteiros pré estabelecidos, o que deveras importa, é isso: o momento presente.
"Amanhã, será outro dia, como dizia Chico Buarque.
Aos 60 mil km, A minha fiel BMW tem se comportado de forma impecável.
Nenhum problema ou dificuldade até agora.
Em meu próximo destino, a Coréia, terei que fazer a revisão técnica, a segunda, nesta viagem.
Evitarei fazê - la no Japão por uma questão de custos.
Com 20 mil km e quase 60 dias de viagem, este piloto também tem se comportado olimpicamente.
Sem nenhum problema de saúde até agora (bato na madeira), fico feliz em constatar que o kit completíssimo de medicamentos preparado por meu médico na França não foi aberto até agora.
Sinto-me bem e muito motivado a continuar este périplo que tem muito a ver, como já mencionei, com uma reflexão pessoal em minha já avançada fase de vida.
No Japão, nestas duas semanas onde ja se nota o verão chegando a seu fim, tive encontros com pessoas extraordinárias.
Gente dedicada e generosa em pequenas coisas, pequenas amabilidades, pequenos gestos, desses que, ao fim e ao cabo, importam no cotidiano de uma vida.
As principais características deste povo, e que guardarei como lição pessoal, são a energia, a paciência, a disciplina, o orgulho, a a amabilidade e a boa vontade em que eles se dedicam a qualquer atividade.
Levam a sério tudo.
O manobrista na garagem do hotel que faz movimentos quase artísticos para te indicar a saída, o agricultor acocorado no arrozal plantando um pé de cada vez, (na 3a. Economia mundial), o policial que manobra o trânsito, a dona da pousada que vem trocar teu chá porque ele não deve estar tão quente, e a senhora no restaurante que levanta-se de sua mesa para te dizer que o tofu precisa ser ingerido com molho shoyu, além de inúmeros outros.
Como exemplo disso, vou falar de Hidenaga, um aposentado de 64 anos que, através de AirBnB, alugou-me um quarto em sua casa em um pequeno vilarejo ao norte de Tokyo.
Ao chegar, ofereceu - me chá, seguido de um passeio de carro para conhecer sua região.
Em seguida, propôs um jantar que ele mesmo prepararia onde eu, para corresponder à hospitalidade, ofereci a entrada e umas cervejas.
Na manhã seguinte, trouxe - me 4 ou 5 kakís de seu pequeno jardim para que eu os levasse em minha viagem.
Em seguida, no desjejum, ele perguntou o que eu desejava para comer.
Respondi que um pouco de chá e torradas com geléia seriam suficientes.
Ele insistiu: mas nem uma salsicha?
Eu, delicadamente respondi, não obrigado.
E ele: e BRÓCOLI?
Eu: Não obrigado.
Ele, arregala os olhos, tanto quanto pode arregalar os olhos, um japonês, e me diz, absolutamente surpreso:
MAS NEM BRÓCOLI NO CAFÉ DA MANHÃ??!!
É, isso é viajar.
Pude, enfim, visitar belos lugares neste país.
Admirei Nikko, Nara e Kyoto com seus extraordinários templos e palácios englutidos no concreto de cidades modernas.
Senti-me intimidado e perdido na imensidão de Tokyo. De fato, quase asfixiado por uma cultura alheia e hermética, em uma mega-metrópole que te envelopa e te reduz a um total e impotente anonimato.
Feliz de deixar a pressão e desconforto da grande cidade, percorri aldeias de agricultores e de pescadores, vi paisagens, vilarejos e lugares únicos.
Deixei de ver outros, tais como, o sagrado monte Fuji que, apesar do desvio de 100 km que fiz para admirá-lo, teimou em se esconder sob espessas nuvens e esnobar minha presença. .
Vi destruição e reconstrução por todo o Japão que percorri, resultado do último episódio meteorológico, o tufão há 15 dias, dois dias antes de minha chegada às ilhas ou, resultantes de inúmeros outros fenômenos em um país onde os elementos tratam seus habitantes com injustificada fúria.
Injustamente, se levarmos em conta o amor pela limpeza e o cuidado com o ecosistema, uma religião para o povo deste país.
Fui acordado por sirenes e alto-falantes no meio da noite onde se colocavam em alerta os moradores em função do terremoto do Chile e de um possível novo tsunami no Japão.
Mundo globalizado esse, o Chile treme e o Japão alaga.
Assim, nas duas últimas semanas, posso simplesmente dizer que vivi.
Conheci tudo?
Em absoluto, e nem era meu objetivo.
Aprendi algo com este povo e este país?
(Sobretudo, aprendi a conduzir uma BMW de 1200 cc, 124 hp e 300 kg por caminhos e estradas a 40 km/h! 😂)
Sem sombra de dúvida, assimilei algo novo, vi coisas interessantes, outras maneiras de fazer, de viver, de tentar ser feliz.
Como em qualquer viagem que possamos fazer, o novo volta para casa na bagagem de nossa alma.
Em dois dias tomarei o ferry para a República da Coréia, a do Sul, pois a outra é absolutamente infrequentável.
A Coréia do Sul, sobre a qual , à exceção de Samsung, Hyundai e outras marcas, nem eu, nem ninguém, sabe mais nada.
Vale a pena o novo desafio.
Conhecer e viver a Coréia, antes de partir para o Sudeste Asiático a etapa final de minha viagem que deve durar até Dezembro.
Ricardo Lugris
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Comentários (2)

1/10/2015 04:44:41
RICARDO LUGRIS
Oi Márcio, obrigado por seu simpático comentário. A moto está impecável. Hoje fiz a revisão de 60 mil km. Consumo medio de 5.3 litros por 100 km. É uma LC.
 
30/9/2015 13:00:26
MARCIO ALVES ROBERTO
Ótimos os seus relatos, Ricardo! Estou literalmente viajando com voce! Ia perguntar da moto, se esta indo bem e se não teve nenhum problema, mas vc já respondeu. Qual a média de consumo (km/litro)? Grande abraco e continue nos presenteando!
Marcio - Campo Grande/MS
 

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