Perseguindo o Amanhecer - Ricardo Lugris

13/10/2015 - O reino de Sião

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O reino de Sião. O quanto já ouvimos falar e imaginamos esse país de fantasia...
O velho filme de Hollywood, com a magistral interpretação do incomparável Yull Bryner, como o Rei do Sião , com seus templos, seus mistérios, sua gente de sorriso natural e fácil.
Uma terra que te oferece muito visualmente, suas cores, seus dourados suas ruinas, sua intensidade e sua grande história.
Nada mais inspirador em uma viagem e sobretudo, de moto.
Desde que deixei a França em uma manhã ensolarada de Julho, venho sonhando em colocar as rodas de minha moto no úmido e quente asfalto da Tailândia.
Desde então, foram 23 mil quilômetros e vários países que ao ficar para trás, deixam lembranças de igualmente vão pouco a pouco, se tornando mais opacas e distantes.
Como escreveu o grande poeta espanhol, Antonio Machado, em sua obra "Andares":
"Caminante, no hay camino,
Se hace camino al andar,
Al andar se hace camino
Y al volver la vista atrás,
Se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar,
Caminante, no hay camino
¡Sino estelas en la mar!"
Hoje, vou estudando os mapas e os guias desse novo e maravilhoso país no vôo entre Manila e Bangkok.
Estou tranquilo, pois já fui informado que a Mobilete me espera no aeroporto para ser desembaraçada dos meandros da burocracia tailandesa.
Após uma adorável estada em Manila, uma cidade cuja história se assemelha em muitos aspectos àquela da América Latina, (apenas acrescente-se uma maior complexidade nos últimos 100 anos em função das consequências da dominação Americana após a Guerra de Cuba onde as Filipinas foram tomadas à Espanha e a ocupação japonesa na ll GM).
Os filipinos são os "latinos" da Ásia, relaxados, zoneados, sorridentes e gentis.
Um povo conhecido por sua amabilidade e que historicamente sempre sofreu as consequências disso.
Chineses, espanhóis, ingleses, americanos e japoneses dominaram estas centenas de ilhas até que o país, como um todo, pudesse, a ferro e fogo, tornar - se realmente independente.
Passei alguns dias na companhia de Roberto e Ana Rita, meus primos, anfitriões perfeitos que tomaram tempo e energia em me fazer conhecer alguns dos detalhes mais curiosos desta interessante cidade, a capital das Filipinas, o único país católico em toda esta vasta região.
Após alguns dias de bem dormir e de excelente comida, o perigo de se sentir cômodo e de se aquerenciar, existe.
Portanto, tomo meu vôo para Bangkok pois tenho vontade de continuar a rodar, de ver coisas, de descobrir.
Meu apetite pelo desconhecido continua o mesmo após mais de 70 dias de estrada.
Sobretudo, preciso enfrentar a burocracia em um dos momentos mais delicados de toda a viagem: Retirar a moto de dentro do aeroporto de Bangkok e colocá-la em condições legais de rodar pelo Reino da Tailândia.
Pisarn, o agente aduaneiro que vai me apoiar, chega completamente encharcado em função do aguaceiro diluviano
que cai na zona do aeroporto.
Aqui, quando chove, e estamos ainda na estação das chuvas, é coisa séria. Preciso lembrar de organizar meus efeitos pessoais dentro das duas bolsas impermeáveis que trouxe pois seguramente apanharei uma dessas duchas durante minha estada na Tailândia.
Consegui um táxi no terminal de passageiros, passei pelo pequeno hotel que reservei e segui para o setor de carga, do outro lado do aeroporto.
A primeira impressão do Agente é boa. Ele se veste com cuidado, simpático e fala um inglês com um tremendo sotaque tailandês onde os "erres" não existem.
Eu me chamo "Licado Luguis" e ponto final. (Preciso, fazer um curso "Walita" de inglês da Tailândia, caso contrário será um desafio e tanto, entender o que eles dizem.
Por orientação de Pisarn, começamos nossos movimentos junto à alfândega a partir de documentos que eu já havia lhe enviado por Mail
A Alfândega Thai aceitou o Carnet de Passage da moto como garantia. Isso é ótimo, não haverá depósito a fazer.
Pisarn me informa que o processo deve durar umas duas horas e convida para irmos almoçar.
Arroz frito com frango e muita pimenta.
A cozinha Thai, conhecida de todos nós, tem uma grande simplicidade mas se baseia em alguns condimentos extraordinários como o coentro, o manjericão, o capim limão, e, sobretudo, a pimenta.
Já chego devidamente vacinado e curtido da Coréia e das Filipinas. Estou blindado.
Mando vir a pimenta sem vacilar, para espanto de meu novo amigo e associado tailandês.
Somos subitamente chamados pela alfândega ao final do delicioso e curto almoço.
O documento ficou pronto em menos de uma hora. Passamos assim, à vistoria da moto no interior do setor de carga.
Pisarn me entrega o badge previamente emitido com a cópia de meu passaporte. Eficiente, penso eu.
Chego ao depósito e minha moto já está fora da caixa e é objeto de enorme curiosidade pelos trabalhadores do pedaço.
Chegam os oficiais de Alfandega com seus galões e dourados e querem corretamente conferir o VIN (Vehicle Identification Number), uma especia de certidão de nascimento da moto.
Mostro a eles o número e eles pedem também para verificar o número do motor.
Feito isso, estou liberado para partir. Foram menos de duas horas. Se não um recorde, uma excelente média.
Re-instalo o párabrisa e não consigo colocar os retrovisores pois eses devem ser colocados ANTES do párabrisa. (Oops!)
Decido sair assim mesmo e terminar a operação no hotel.
Após os agradecimentos de praxe ao Pisarn, sua equipe e aos oficiais de Alfândega, pego a estrada com a ajuda de meu GPS previamente programado para me fazer chegar ao hotel.
Após as experiências no Japão e na Coréia, baixei a cartografia rodoviária e informações complementares para todo o Sudeste Asiático diretamente da Garmin.
Oficial, atualizado e mais caro, ele me dará a garantia de poder rodar nestes magníficos países.
Os mapas "pirata" são mais baratos, ou mesmo gratuitos, mas tem o inconveniente de serem muito frequentemente desatualizados.
Nestes países, em constante desenvolvimento, um ou dois anos fazem uma grande diferença em termos de rede rodoviária, acessos e serviços.
Volto à rodar na mão inglesa, pela esquerda e em um trânsito "paulista" , além dos "motorinos" como em Roma, só que em quantidades decuplicadas.
A Tailândia é o país dos mil templos, do milhão de motos e das centenas de milhões de retratos do casal real....
Após uma sessão de lavagem de minha roupa em self-service (as coisas que a gente aprende a fazer em uma viagem assim...), e uma tranquila noite de sono, parto pela manhã para meu primeiro destino na terra dos mil Budas.
Nada que ver com a religião, meu primeiro destino é um sítio testemunha de mais um episódio profundamente duro durante a Segunda Guerra Mundial.
Alguém, lendo este post, e tendo lido os posts anteriores sobre Auschwitz e Hiroshima, poderá dizer que eu tenho uma curiosidade decididamente mórbida em minhas viagens de motocicleta. (Morbilete?)
Nada disso. Minha curiosidade é sobretudo histórica.
Sou fascinado pela história do século XX e, particularmente pelos conflitos da primeira metade do século, ou seja, as duas Grandes Guerras e a Guerra Civil Espanhola, esta última, por razões de origem familiar.
Em 1942, os japoneses dominando uma grande parte da Ásia, decidem de construir uma estrada de ferro ligando Bangkok a Rangoon para permitir uma melhor revitalização de suas tropas no SE Asiático.
Para a construção dessa ferrovia por uma região montanhosa e com 415km de extensão, o exército imperial japonês decide fazer uso de 60 mil prisioneiros aliados que caíram com a tomada de Singapura e 100 mil trabalhadores asiáticos, contratados à força. Tecnicamente, mão de obra escrava.
A estrada de ferro, vital para o império japonês, foi construída em apenas 15 meses, um feito de engenharia jamais igualado e do qual, infelizmente, os japoneses se orgulham até hoje.
O preço, foi a vida de 100 mil pessoas.
10 mil prisioneiros britânicos, australianos e holandeses perderam a vida nesses 15 meses de inferno, assim como 90 mil trabalhadores asiáticos, chineses, malaios, indonésios, tailandeses e birmanos, entre outros.
O cólera e o regime de maus tratos e a má alimentacao foram os responsáveis por essa tão grande mortalidade.
Calcula - se que uma vida foi perdida para cada moirão colocado nessa estrada de ferro.
A "Ferrovia da Morte", como ficou conhecida, foi retratada nos anos 60 em um belíssimo filme intitulado "A ponte sobre o Rio Kwai", estrelando o extraordinário Alec Guinness e outros tantos grandes atores ingleses.
A Ponte e o Rio Kwai existem de fato.
No filme, a ponte é construída de madeira, para dar mais dramaticidade, como várias outras realmente erguidas com madeira verde cortada no local, ao longo da ferrovia.
A ponte real sobre o rio Kwai, foi construída em aço e tem cerca de 330 metros de comprimento.
Curiosamente, essa ponte custou apenas 4 vidas em sua construção e durou apenas 15 meses até ser bombardeada pelos aliados em 1945.
Os dois vãos centrais foram destruídos nesse bombardeio e posteriormente reconstruidos por antigos prisioneiros de guerra que permaneceram na Tailândia para esse projeto.
Um pouco mais adiante, em direção à fronteira com a Birmânia, está o "Hell Fire Pass Memorial".
Um tocante museu que preserva a memória de milhares de prisioneiros que perderam a vida em um dos trechos mais difíceis na construção de toda a ferrovia.
Por falta de equipamento adequado e de tecnologia, os japoneses não conseguiam cavar túneis ao longo do trajeto de montanha, assim, para poder fazer um trem passar pelo relevo nessa região, os prisioneiros eram obrigados a cortar, à martelo e picareta, grandes seções de rocha sólida, um trabalho longo, duro, penoso e extenuante.
Hoje se pode caminhar por 4 km dessa ferrovia, o chamado "Hell Fire Pass", o passo do fogo do inferno, assim nomeado pelos prisioneiros sobreviventes pelo sofrimento que causou em sua construção.
A ponte sobre o Rio Kwai, o cemitério dos prisioneiros aliados e um par de museus referentes à Ferrovia da Morte encontran-se em Kanchanaburi, a confortáveis 120 km da capital tailandesa.
Essa distância, que pode ser percorrida em aproximadamente duas horas, permitiu - me uma amostra inicial do que é a circulação no trânsito da Tailândia.
Visito o museu da Ferrovia, o cemitério onde repousam mais de 9000 soldados e vou visitar a famosa ponte.
Hoje o lugar está coalhado de turistas, sobretudo daqueles países cujos soldados foram feitos prisioneiros.
Durmo na pequena cidade com ares turísticos. Conheço um jovem espanhol viajando de bicicleta e que vive em Toulouse. Acabamos jantando juntos e a conversa rola sobre a vida e sobre viagens.
Na manhã seguinte, sob chuva, tomo o caminho da fronteira do Miamar, antiga Birmânia, para visitar o Hell Fire Pass e a cascata de Erewan, a 100 km dali.
Obviamente, visitar esse passo, carregado de história recente, sob a chuva e densa umidade, acaba por dar um tempero muito mais lúgubre e introspectivo do que aquele de um dia de sol.
A temperatura, em torno dos 33 graus, torna o ar pegajoso e palpável. Eu tento imaginar o que seria quebrar e carregar pedras até 18 horas por dia, durante meses e meses seguidos, ouvindo uma repetitiva ordem cheia de sotaque japonês:
Speedo!
A beleza e tranquilidade deste lugar não ajudam a construir imagens em minha mente.
Partindo desse lugar de memória, e para mudar meu espírito entristecido, aproveito para visitar uma sequência de interessantes cascatas no Parque Nacional de Erawan, onde não fico tão impressionado, apesar da boa propaganda do lugar.
Acho que temos algumas bem mais bonitas no meu Rio Grande natal, bairrismos à parte.
No final dessa primeira e intensa jornada na Tailandia, consigo um hotel em Ayuttaya, onde permanecerei por uns dois dias visitando suas maravilhas arquitetônicas do período em que esta cidade, estrategicamente situada em uma ilha entre dois rios, foi a capital do Reino do Sião até a sua invasão e destruição pelos Birmanos, em 1776.
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Comentários (1)

3/2/2017 01:18:52
YQYLC1VT
missboulette, ich bin sogar ziemlich sicher, dass das klappt, hab auch so ein Rezept auf meiner Natshocklihce. Freu mich aber, wenn dus vor mir hinkriegst :-)
 

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