Perseguindo o Amanhecer - Ricardo Lugris

23/11/2015 - Encontros - Sul da Tailândia

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A viagem, sobretudo de motocicleta, é feita de contínuos e agradáveis encontros.
Em alguns instantes, uma frase simpática é lançada, a réplica chega, a conversa se instala, as convergências aparecem e a curiosidade mútua pede um novo encontro para a troca de experiências e uma convivência fraterna, aberta, sincera e desinteressada.
Esse é o universo de motociclistas mordidos pela curiosidade da viagem nesse perfeito veículo, sem importar realmente sua nacionalidade, sua crença, sua raça ou suas origens.
No grupo de malasianos que conheci em Krabi, no sul da Tailândia, durante um encontro de motociclistas onde permaneci apenas uma hora em função da necessidade de continuar viagem, encontrei exatamente essa abertura de espírito e curiosidade em um grupo visivelmente heterogêneo.
Disse a eles que iria à Malásia após deixar a Tailândia e eles me sugeriram que visitasse sua cidade, Georgetown, no noroeste do país, instalada na ilha de Penang, um belíssimo lugar até então completamente desconhecido para mim.
Após mais de três semanas percorrendo em detalhes a colorida Tailândia, um paraíso para qualquer turista, viaje ele de moto, em tuc-tuc, ou em qualquer outro tipo de transporte, já sinto a necessidade de virar a página e encontrar um novo capítulo para o livro de minha viagem.
Meu longo périplo, percebo, vai chegando ao fim extinguindo o roteiro a que me propus em Julho:
De Paris a Singapura.
E estou a menos de 1000 km de meu destino.
Há uma certa nostalgia nessa constatação, a viagem vai terminar.
Por outro lado, há uma firme percepção de que vou realizando um objetivo muito pessoal e uma sensação de ter conseguido completar o que me propus há mais de 5 meses.
Há também a enorme satisfação de poder voltar para casa, encontrar minha família que recebeu recentemente um novo e inquieto membro de quatro patas e poder retomar minha atividade profissional, em suma, minha vida no seu intenso e pleno cotidiano.
Aceito visitar Penang e, após uma curta estrada no sudeste da Tailândia, onde, fora do circuito turístico do país, me permití observar e perceber com maior precisão os hábitos e a vida de seus curiosos e plácidos habitantes, e continuei descendo a longa península malaia para entrar finalmente na Malásia, último país em meu roteiro, antes de chegar ao destino, Singapura.
Sem pressa, como uma criança que faz durar o sorvete, escolho pequenas estradas do interior para chegar à fronteira..
O sul da Tailândia é coberto de bosques de seringueiras, hoje abandonadas, com suas cicatrizes no tronco e suas cumbucas tristemente emborcadas, sem uso, sem utilidade, sem produzir.
Já não há mercado para o latex .
Desde que a indústria da borracha utiliza o petróleo para a fabricação de pneus, o uso de latex se resume a preservativos, luvas e outros materiais de uso médico e hospitalar.
Cruzando vastos bosques dessas árvores finas e resistentes, tão generosas em sua extraordinária seiva, não posso deixar de pensar na sua própria ascensão e queda, em várias fases, desde o começo do século XX.
Em 1906, Manaus, com a produção de borracha, foi um dos maiores centros mundiais de consumo de diamantes, foi a primeira cidade brasileira a ter bondes elétricos, tinha um teatro de ópera e um dos maiores portos flutuantes do mundo.
Tudo isso, graças à produção, dentro da floresta amazônica, do latex que era fundamental para a indústria da época, assim como é o petróleo na indústria atual.
Cruzando essas intermináveis linhas de árvores, plantadas a dois metros de distância, constato que essas sementes, na sua origem, vieram do Brasil.
Foram literalmente roubadas por um inglês instalado no Pará chamado Henry Wikham, que contrabandeou sementes escondidas em cestos de vime e as levou para um jardim botânico na Inglaterra, enganando assim, as alfândegas brasileiras da época.
As mudas de seringueiras que germinaram, foram transferidas para a Malásia, então colônia do Império britânico, e, com um clima tropical úmido, deram origem a grandes plantações, liquidando a riqueza de Manaus, que se limitava a explorar seringueiros que se deslocavam de uma árvore à outra dentro da mata, por vezes a centenas de metros de distância.
Essa indústria acabou por ruir após a II Grande Guerra também no sudeste asiático em função da superprodução, levando consigo, no roldão da economia, populações humildes que não conheciam outro cultivo até então.
Reconheço essas árvores quase como compatriotas. Elas têm suas origens no mesmo país que eu.
Paro a moto, caminho lentamente entre essas belas árvores, passo meus dedos em suas marcas de muitos e profundos cortes.
Em algumas, o "sangue branco", já seco , ainda se encontra ainda na tijela que o coleta, sem que o homem tenha retirado o fruto e a razão desses profundos sulcos.
Essas culturas vem sendo gradualmente substituídas por palmeiras para o cultivo do óleo de dendê, ou óleo de palma, hoje muito mais interessante na indústria alimentar.
Minha nostalgia amazônica termina, "entre vastos seringais" e reflexões históricas, por me depositar na fronteira com a Malásia.
Há poucos meses, eu verificava no GPS as distâncias, medidas em milhares de quilômetros que me separavam das terras do extremo oriente.
Hoje, com naturalidade, vejo virar o odômetro de minha viagem em 30.000 km.
É realmente muito chão, pelo menos para mim.
Desta vez os trâmites na fronteira são rápidos e sem dificuldades, não obstante a intensidade e densidade do calor, sempre úmido, pegajoso, asfixiante.
Há um terrível mau cheiro no ar, nauseabundo, recorrente, em, infelizmente, um dos aspectos mais negativos da bela Tailândia.
Neste país os esgotos, quando existem, ainda são a céu aberto e os vilarejos e aldeias mais remotos, não dispõem nem mesmo dessa última facilidade, depositando seus dejetos em cisternas abertas espalhadas pela entrada da povoação.
Esgotos e águas estagnadas são comuns aqui em qualquer lugar em que você passa, produzindo um constante e desagradável mau cheiro.
Essas águas paradas, como todos sabemos, favorecem a reprodução do mosquito da dengue e, no Laos e Camboja, há também o risco de malária.
Assim, chego à uma constatação importante e divertida: o motociclista precisa rodar a uma velocidade superior ao vôo dos mosquitos mas, sempre a uma velocidade inferior à do vôo de seu Anjo da Guarda!
A entrada na Malásia, pelas mãos e carimbo de uma agradável senhora em uniforme das Alfândegas Malasianas, aporta uma nova etapa em minha viagem e meu passaporte começa a acusar a presença de tantos selos e vistos de entrada, restam poucas páginas.
Este é, curiosamente, o primeiro país muçulmano que percorro nesta viagem.
Assim, é natural ajustar alguns aspectos culturais, comportamentais e sociais para evitar conflitos e situações desconfortáveis.
A modéstia e discrição no trato com pessoas, principalmente do sexo feminino, precisa ser observada.
A venda de bebidas alcoólicas é inexistente, para aquela cervejinha do fim de jornada, e você passa a acordar as 5 h da manhã pelas chamadas à oração nas numerosas mesquitas.
Mesmo assim, a Malásia cultiva um Islamismo de tolerância, combinado com a presença de Budistas, Hindus e Cristãos na sua bela colcha-de-retalhos racial e religiosa.
Na excelente autoestrada, rumo a Penang, celebro no embalo de minha moto, um novo país e uma nova cultura a conhecer e descobrir.
Já na passagem de fronteira me deparo com um guichê exclusivo para o carimbo de passaportes de motociclistas.
Você entrega o passaporte sem descer da moto, como se estivesse em um pedágio.
E falando em pedágio, motos não pagam essa taxa nas auto-estradas da Malásia.
Há um curioso caminho por trás do posto de pedágio, estabelecido para esse propósito, para as motocicletas.
Acho que vou gostar da Malásia, penso eu, enquanto lembro da Coréia e do Irã que nem sequer permitem às motocicletas de circular em suas autovias.
Meus novos amigos motociclistas de Penang, já informados de minha chegada à sua cidade, preparam um passeio durante o dia e um jantar com o grupo para comemorar o reencontro com um viajante que veio de longe.
Estar entre amigos, mesmo que sejam recentes, é tudo de bom.
Como dizia Vinicius, "A vida é feita de encontros, embora haja tantos desencontros pela vida".

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Comentários (4)

3/2/2017 01:26:27
XFBBBPLDW
Very helpful post! I really enjoyed reading it. So wonderful to read an article th27a1t;s written in decent English! I will surely be back again for more at some point. Thank you so much.
 
28/6/2016 15:38:01
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Deadly accurate answer. Youve hit the buleleys!
 
26/11/2015 10:35:26
OTAVIO ARAUJO GUGU
Caro Ricardo,
Belo relato e magnificas fotos, sempre ensinando e se superando...
Parabéns amigo, siga com o Criador.
Fraterno moto abraço,
Gugu
 
25/11/2015 12:15:22
CELINA PEDROSA
caro Lugris,
seus relatos são sempre leves, poeticos...
grande abraço
celina
 

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